O embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, disse ser possível a retomada da aproximação de países árabes com Israel. A guerra iniciada em 7 de outubro com os ataques do Hamas e com a reação de Israel “complica esses entendimentos que estavam em curso”, disse na 6ª feira (20.out). Mas ele espera o retorno aos acertos mais tarde. “Acredito que serão retomados”, afirmou.
Alzeben falou por videoconferência com o Poder360 a partir de Doha (Qatar). Ele retorna ao Brasil de viagem de férias a Ramallah (Cisjordânia), onde estava em 7 de outubro.
Assista à íntegra da entrevista (19min33s):
A avaliação favorável sobre as chances de retomada da reaproximação, sobretudo com a Arábia Saudita, é também a do governo israelense.
Alzeben criticou a aprovação na 4ª feira (18.out) pela Câmara de projeto de decreto legislativo que ratifica acordo de cooperação na área de segurança entre Brasil e Israel. Disse que isso pode ser visto como “carta branca” por Israel para atacar palestinos. Mas ressalvou ser uma decisão soberana do Congresso brasileiro.
O embaixador disse que a violência de Israel contra palestinos é um “genocídio”. Perguntado se considera terrorismo os ataques do Hamas, não respondeu.
A seguir, leia trechos da entrevista:
Poder360 – Os ataques do Hamas em 7 de outubro fortalecem o grupo?
Ibrahim Alzeben – O Hamas é um grupo militar e político que existe no cenário desde 1987. Agora temos que esperar o fim desta guerra maluca que está acontecendo na Palestina.
Os ataques aumentam a divisão entre os palestinos?
As divisões não são novas no cenário político palestino. Desde que começou o conflito, desde que começou a luta pela formação da Palestina, há várias tendências. Não é algo estranho em um cenário democrático. Existem visões diferentes. É normal. A OLP [Organização para a Libertação da Palestina] é o único representante legítimo do povo palestino. É a organização que assinou os acordos com Israel em 1993 e que é reconhecida internacionalmente.
Os ataques do Hamas em 7 de outubro foram terroristas na sua avaliação?
O que acontece a partir de 7 de outubro é resultado de 76 anos de negligência, de ataques e de perseguição ao direito nacional palestino de criar seu Estado.
Caso a ONU declare o Hamas um grupo terrorista, qual seria a reação da Autoridade Palestina?
Nós respeitamos o direito internacional, o direito internacional humanitário, acreditamos que o direito internacional tem que ser implementado. Todos os conflitos ocorridos ao longo de 76 anos foram por falta da implementação desse direito internacional.
O Hamas diz que o bombardeio ao Hospital Al-Ahli, em Gaza, foi feito por Israel, mas Israel diz que foi um grupo islâmico. Qual a sua avaliação?
Sem dúvida foi Israel, que tem a capacidade de destruição que causou esse grande número de vítimas. Isso está demonstrado. Mas, se houver dúvidas, estamos abertos a que seja feita uma investigação independente. É o estilo de Israel cometer crimes e depois culpar outros. Não é a 1ª vez.
O corpo de Celeste Zaaror Fishbein, filha de pai brasileiro, foi encontrado depois de ela ter sido sequestrada pelo Hamas. Há 203 reféns com o grupo. Qual o risco para essas pessoas?
Bom, estamos em um estado de guerra, com bombardeio contínuo, já são 14 dias. Nós advogamos o fim dos bombardeios para facilitar uma negociação. Não queremos que ninguém seja ferido ou morra. Não temos nenhum interesse em que alguém morra. Lamentavelmente todos observaram as chacinas que foram cometidos contra nosso povo em Gaza, mais de 4.200 mortos, mais de 14.000 feridos. A guerra continua. Atinge todos os civis, sejam os reféns ou toda a população palestina. Muitos brasileiros estão na fronteira. Uma frase que ouvi de um jornalista é que todos os caminhos em Gaza conduzem à morte e à calamidade.
Há possibilidade de o Hamas liberar os reféns antes do fim dos bombardeios?
Esperamos o fim dessa guerra maluca, o fim dos bombardeios. E que Israel entenda de vez que as guerras, os conflitos, os bombardeios, a violência, não vão resolver a questão na Palestina. A única solução é uma solução pacífica, baseada no direito internacional, em que todo mundo possa voltar à sua casa, construindo seu país. Não existe a possibilidade de que a violência resolva esse conflito. Israel usou violência excessiva desde sua fundação até este momento. Qual é o resultado? Cada vez temos mais vítimas, cada vez ficamos um pouco mais longe da solução e cada vez Israel nega o cumprimento do direito internacional. Não queremos mais vítimas na Palestina, em Israel, na Síria, no Líbano, no Egito, em nenhuma parte.
O apoio a palestinos em vários países, incluindo o Brasil, pode diminuir depois dos ataques do Hamas?
Ao contrário. O apoio não é aos palestinos. O apoio é à paz. Nas ruas de todas as capitais e cidades importantes do mundo inteiro, todo mundo está clamando por paz, por segurança e pelos direitos nacionais palestinos. O mundo entende muito bem que não existirá paz na região sem solucionar a questão palestina. Nós confiamos na comunidade internacional. Vai prevalecer a verdade e a vontade da comunidade internacional e dos povos pela paz.
Há um aumento do apoio à Palestina neste momento?
Sem dúvida. Estou observando como se movimentam as ruas em todas as cidades, não a favor da Palestina, a favor da paz.
Aumentaram as perspectivas de paz?
Tenho esperanças e me sinto otimista. A paz está perto.
Qual sua avaliação da aproximação que vinha sendo construída de Israel com a Arábia Saudita e outros países árabes?
Existe uma iniciativa árabe de paz e essa iniciativa deve ser a base de qualquer aproximação. Esperamos que isso se conclua com a criação do Estado da Palestina. Isso foi o acordo entre árabes em 2002. Obviamente, todos os árabes querem a paz.
Mas a guerra iniciada em 7 de outubro muda a aproximação?
Complica esses entendimentos que estavam em curso.
Serão retomados depois?
Acredito que serão retomados.
Qual sua avaliação sobre a manifestação do PT sobre o conflito?
O PT é um partido soberano em um país soberano com quem mantemos uma relação muito boa desde sua fundação em 1981 [na realidade, em 1980]. Para nós o Brasil é um país amigo, com todos os seus componentes.
Quais as diferenças de relação com a Autoridade Palestina no governo de Bolsonaro e no governo de Lula.
Tivemos certas dificuldades no período do presidente Bolsonaro, mas foram superadas, felizmente. Agora mantemos uma relação com melhores entendimentos com o governo do presidente Lula. Acredito no bom senso da classe política brasileira, não somente do PT, mas também da classe política brasileira em geral. O Brasil desde 1947 até o momento observa o direito internacional.
A Câmara dos Deputados aprovou projeto que ratifica acordo do Brasil com Israel assinado em 2019, início do governo de Jair Bolsonaro para a cooperação na área de segurança. Qual a sua avaliação sobre isso?
Acredito que não seja o momento. Não discutimos decisões soberanas. Mas recomendamos que qualquer país amigo apoie o processo de paz em vez de apoiar acordos e tendências que complicam a paz na região. O Brasil é um país amigo das duas partes. Confiamos que isso seja revisado, que a classe política brasileira pense mais no processo de paz na região.
O acordo atrapalha o processo de paz?
Pode atrapalhar, sim, porque Israel produz armas e com isso pode ter um tipo de aprovação, de carta-branca, para seguir produzindo armas e atacando o povo palestino.
O projeto foi para o Senado. O senhor vai dizer aos senadores que não devem aprová-lo?
Como disse, são decisões soberanas. Podemos fazer alguma recomendação, alguma conversação. Mas o parlamento é soberano e toma as decisões que os senhores deputados e senadores acham convenientes para o país.
O que o governo brasileiro pode fazer para ajudar no estabelecimento da paz?
Atualmente, o Brasil preside o Conselho de Segurança [da ONU] e é membro do Brics. Obviamente, o Brasil é um país amigo de ambas as partes. Pode promover alguma iniciativa, apoiar as iniciativas que conduzam a uma paz real na região.
O senhor estava na Cisjordânia quando houve os ataques de 7 de outubro. Como foi?
Ficamos muito preocupados, em contato com os meus colegas e familiares. Todo mundo está muito consternado com a magnitude do ataque e a limpeza étnica, esse genocídio, em curso. Precisamos de uma intervenção séria por parte da comunidade internacional no lugar de mandar armas, como está fazendo o governo dos Estados Unidos, da Inglaterra [sic] e outros.
A atitude dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido é contrária à paz?
No momento que mandam tantas armas, veículos, e apoiam a agressão contra o povo palestino em Gaza, aprovando o bombardeio, mandando munição de última geração, obviamente estão complicando, contribuindo com o conflito. Temos esperança de que este mundo, que está com as pernas para cima, concorde que a violência não resolve. Essa violência que se iniciou em 1948 não resolve. O que resolve é nos sentarmos à mesa de negociações.