O governo dos Estados Unidos tem deixado claro o incômodo gerado em Washington com a permissão dada por Brasília para navios iranianos atracarem no Rio de Janeiro nesta semana. Em resposta a questionamento feito pelo Estadão, um porta-voz do Departamento de Estado americano afirmou que a decisão brasileira foi "errada", assim como passa uma mensagem "errada", destacando ainda que o País é o único da região a adotar uma medida desse tipo.
"Nós não discutiremos conversas diplomáticas, exceto para dizer que deixamos claro para países relevantes que esses navios não devem atracar em nenhum lugar", afirmou o porta-voz. "O Brasil é um país soberano que pode tomar sua própria decisão sobre como se relacionar com o Irã. Até o momento, o Brasil é o único país do nosso hemisfério que aceitou um pedido de atração", destacou o porta-voz do Departamento de Estado americano.
O tom severo das declarações da diplomacia americana indica o nível do incômodo com a decisão do governo Lula de permitir que as embarcações Iris Makran e Iris Dena, que pertencem à frota de guerra iraniana, atracassem no porto do Rio de Janeiro no dia 26. Os navios devem ficar na Baía de Guanabara até sábado, 4.
Os navios já tinham recebido, em 13 de janeiro, uma autorização para aportar entre os dias 23 e 30 daquele mês, pouco antes da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 9 de fevereiro, a Washington a convite de Joe Biden. A atracação dos navios foi adiada em razão da sensibilidade diplomática do movimento e uma nova autorização foi emitida pela Marinha do Brasil e publicada pelo Diário Oficial da União no dia 23.
Os governos Lula e Biden tiveram um início amistoso na nova relação bilateral neste ano, diante de interesses políticos comuns, mas os EUA esperavam que o Brasil não permitisse a chegada das duas embarcações.
Também em resposta ao Estadão, um porta-voz do departamento de Estado americano afirmou que "hospedar embarcações iranianas pertencentes a um regime que está reprimindo brutalmente seu próprio povo no país, fornecendo armas para a Rússia usar em sua guerra de agressão contra a Ucrânia, e engajando em terrorismo e desestabilizando a proliferação de armas pelo mundo envia uma mensagem errada e é uma decisão errada".
O encontro entre o secretário de Estado, Antony Blinken, e o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, nesta quinta-feira, 2, havia sido entendido pelo Itamaraty como um sinal de que os EUA não intensificarão a pressão a respeito do tema. A questão dos navios iranianos, segundo fontes envolvidas no encontro, não foi levantada por Blinken.
No Itamaraty, a leitura feita é de que, a despeito da pressão, os americanos "entenderam o recado" enviado por Brasília de que a questão envolve o Brasil como um país soberano e sua relação com outro país soberano, o Irã.
Parlamentares republicanos pressionam o governo Biden a, inclusive, adotar sanções contra o Brasil. O Departamento de Estado não mencionou sanções e também não comentou qual a posição dos EUA sobre o pleito de republicanos.
Em nota no dia 27, o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, onde os republicanos têm maioria, Michael McCaul, avaliou como "totalmente inaceitável" a decisão do governo Lula. No dia seguinte, o senador Ted Cruz, que integra a mesma comissão no Senado, onde a maioria é democrata, disse que ela "ameaça" a segurança dos americanos e pediu que Biden aplique sanções ao Brasil. Os dois legisladores são republicanos do Texas.
No último dia 15, a nova embaixadora dos EUA enviada por Biden a Brasília, Elizabeth Bagley, foi enfática sobre a posição do país em declaração pública, quando disse que os navios "não deveriam atracar em nenhum lugar". Na ocasião, ela negou que o assunto tenha sido discutido entre Lula e Biden na Casa Branca, mas confirmou que o Departamento de Estado levou a questão para análise do governo brasileiro, por meio do Itamaraty.
Diplomatas brasileiros consideram, no entanto, que o Brasil acertou ao não atender pedido dos EUA para negar o pedido do Irã a respeito dos navios. O ex-embaixador do Brasil nos EUA Rubens Barbosa afirma que a posição do Brasil está correta e não deve sofrer nenhuma repreensão ou punição política ou econômica de Washington.
Segundo ele, em um cenário de intensas divisões globais, o País age corretamente ao se manter equidistante das tensões. "O Brasil aceita imposição de sanções desde que sejam aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Sanções unilaterais, do ponto de vista do Brasil, são ilegais, sejam comerciais, sejam políticas", afirma Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice). O Irã está sob duras sanções econômicas unilaterais dos EUA.