O Ministério dos Povos Indígenas disse no domingo (8.out.2023) que o governo de Santa Catarina não cumpriu com o acordo feito com lideranças da população Xokleng, em meio ao imbróglio envolvendo a Barragem Norte, no município de José Boiteaux (SC). Mais cedo, agentes do Estado foram mobilizados para fechar as comportas da estrutura. Indígenas reagiram para bloquear os acessos e houve confrontos.
O governo catarinense disse que o fechamento das comportas é uma medida necessária para responder às fortes chuvas que caem sobre o Estado nos últimos dias. O povo Xokleng, porém, teme que o fechamento alague as aldeias, atingindo residências e acessos.
Duas pessoas morreram e 82 municípios estão em situação de emergência. Não há ainda um balanço oficial do total de desabrigados.
O Ministério dos Povos Indígenas disse que está monitorando a situação. Em nota, informou que representantes do órgão e da AGU (Advocacia Geral da União) estão a caminho de José Boiteaux para acompanhar os desdobramentos do caso de perto e garantir a resolução do conflito sem novos confrontos. A PF (Polícia Federal) e a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) também foram acionadas.
Na avaliação do ministério, a decisão do governo catarinense foi tomada sem respaldo de um laudo técnico que estime as reais consequências. Também destaca que negociações entre representantes do Estado e indígenas foram levadas em conta em uma decisão da Justiça Federal que autorizou o fechamento das comportas, mas as promessas não foram cumpridas.
“Estamos em contato com o governo do Estado e demais órgãos responsáveis para se fazer cumprir os direitos do Povo Xokleng e para que a situação seja resolvida da melhor maneira possível”, acrescenta o Ministério dos Povos Indígenas.
Também em nota, o governo de Santa Catarina afirma que todos os itens da pauta de reivindicação foram e serão atendidos. Conforme o texto, foram enviadas mais de 900 cestas básicas e até uma ambulância. Investimentos em melhorias de infraestrutura pedidas pela comunidade há mais de 20 anos serão realizados. O comunicado traz ainda uma declaração do governador Jorginho Mello (PL) confirmando o fechamento das comportas.
“Conseguimos concluir com sucesso a operação. Esta ação vai diminuir o nível do Rio Itajaí-Açu, em Blumenau, minimizando o impacto das cheias. Seguimos monitorando o nível de chuvas na região e em todo o Estado”, ressaltou Mello.
Fortemente atingida pelas precipitações, Blumenau anunciou o cancelamento da Oktoberfest, evento que tradicionalmente ocorre em outubro.
A Polícia Militar de Santa Catarina confirmou ter ocorrido um confronto com indígenas. De acordo com a corporação, havia um acordo entre o governo e um cacique e, inicialmente, a desocupação transcorreu pacificamente. O conflito teria ocorrido porque um pequeno grupo de indígenas se negou a deixar o local.
A barragem fica em terra indígena no Vale do Itajaí. Planejada para controle de cheias, suas obras foram iniciadas em 1976 pelo governo militar. As operações tiveram início apenas em 1992, mas a estrutura está sem uso desde 2014. Ela foi construída no rio Hercílio, que deságua no rio Itajaí-Açu.
O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) também divulgou uma nota denunciando o abandono da barragem há quase uma década e alertando que o fechamento das comportas pode elevar o risco de rompimento.
Decisão Judicial
A decisão judicial mencionada pelo Ministério dos Povos Indígenas foi assinada na noite de sábado (7.out) pelo juiz federal de plantão Vitor Hugo Anderle. Ele autorizou o fechamento das comportas, ponderando que o governo deveria “velar para a adoção das medidas necessárias de salvaguarda para a proteção de todos os envolvidos, ouvidos os respectivos agentes de seu corpo técnico”.
Às 23h51, Vitor Hugo proferiu uma 2ª decisão. Ele informou ter recebido do MPF (Ministério Público Federal) a notícia da celebração de um acordo entre lideranças indígenas, a prefeitura de José Boiteaux e o governo estadual.
O juiz homologou as medidas que teriam sido pactuadas:
- desobstrução e melhoria das estradas;
- equipe de atendimento de saúde em postos 24 horas;
- disponibilização de 3 barcos para atendimento da comunidade;
- ônibus para permitir o deslocamento dos moradores até a cidade;
- garantia de água potável na aldeia; e
- fornecimento de cestas básicas.
Também definiu que deverão ser construídos novos imóveis, em local seguro, para as famílias que ficarem com suas casas submersas.
De acordo com lideranças indígenas, a reunião com representantes do Estado para discutir medidas para a comunidade de fato aconteceu e eles dizem ter sido pegos de surpresa sobre a decisão do fechamento das comportas.
“Tratamos de benfeitorias que seriam feitas para a comunidade, como água potável, moradia, transporte e moradia de emergência para quem ficou desabrigado durante a cheia, durante esta chuva que estamos enfrentando. Momentos após a reunião, o governador Jorginho Mello postou em suas redes sociais que enviaria a polícia para fechar a Barragem Norte”, disse o indígena Italo Silas.
Com informações da Agência Brasil.