Em crise de identidade e após ter se tornado nanico no Congresso, o PSDB começou a discutir como se posicionará no jogo político para sobreviver, a partir de 2023. Uma das ideias é formar uma federação com o MDB e outros partidos que estiveram unidos na coligação de apoio à candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) ao Palácio do Planalto.
A proposta começou a ser discutida nesta quarta-feira, 19, em reunião entre os presidentes do PSDB, Bruno Araújo; do MDB, Baleia Rossi; do Cidadania, Roberto Freire; e do Podemos, Renata Abreu. Atualmente, o PSDB e o Cidadania já fazem parte de uma federação. Juntos, os dois partidos elegeram 18 deputados federais (foram 13 do PSDB), no último dia 2, apenas sete a mais do que o exigido pela cláusula de barreira.
Agora, se MDB e o Podemos entrarem na federação, o grupo reuniria a maior bancada do Senado, com 21 parlamentares, e a terceira maior da Câmara, com 72 deputados. Somente ficaria atrás da federação PT-PV-PCdoB, que tem 79 deputados eleitos, e do PL, com 99.
Os presidentes do MDB e do Cidadania confirmaram as negociações, mas destacaram que a discussão ainda está no estágio inicial e não envolve fusão. "Não existe nenhuma discussão sobre fusão. Há conversas sobre integração do MDB na federação PSDB-Cidadania, mas apenas tratativas iniciai, ainda não colocadas nos coletivos partidários. Talvez isso possa ser em breve efetivamente discutido", disse Roberto Freire. Baleia Rossi adotou a mesma linha. "Estivemos conversando, sim. (A discussão) é sobre bloco parlamentar ou federação", afirmou.
Apesar de se classificar como independente, o PSDB tem agido como base do presidente Jair Bolsonaro (PL) desde o início do governo, votando a favor da maior parte das pautas do Planalto. O resultado do primeiro turno das eleições aumentou ainda mais a crise no PSDB.
Com o apoio público a Bolsonaro por parte do governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), e de deputados da legenda - como o líder da bancada na Câmara, Adolfo Viana (BA), e o deputado Carlos Sampaio (SP) -, uma ala do partido passou a dizer que o PSDB foi "sequestrado" pelo bolsonarismo.
A tentativa de união de PSDB, Cidadania, MDB e Podemos é uma forma de reaglutinar as forças de centro, que perderam espaço com a popularidade do bolsonarismo. "Ainda está cedo, ainda está no processo eleitoral, mas é uma hipótese. O resultado eleitoral gerou a necessidade de reorganização partidária. Acho que o PSDB tem um bom diálogo hoje com o MDB", disse ao Estadão o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (PSDB-RJ).
O deputado não descartou nem mesmo uma fusão entre o PSDB e o MDB mais adiante, mas ressalvou que não falava em nome da direção do partido. Maia era do DEM e se filiou ao PSDB neste ano.
"É importante que o PSDB se reorganize, reafirme tudo aquilo que construiu com o PFL (hoje União Brasil), desde a época da redemocratização. Infelizmente, uma parte ficou no caminho, mas ainda tem um legado importante no PSDB em muitos Estados brasileiros e em algumas ações importantes no Congresso Nacional", afirmou Maia.
O ex-presidente da Câmara virou desafeto de Bolsonaro e apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno, mas evitou comentar o comportamento governista de seus colegas de bancada.
O PSDB nasceu em 1988 de uma ala do antigo MDB. Na época, o partido em formação avaliava que o MDB tinha um comportamento "fisiológico" de adesão a governos. Hoje são os tucanos os acusados de ter uma relação fisiológica com o governo Bolsonaro.
O Estadão ouviu um deputado tucano que é crítico da guinada bolsonarista. Sob a condição de anonimato, o parlamentar disse que o PSDB perde ao apoiar Bolsonaro, independentemente do resultado da eleição. A avaliação é a de que se Lula ganhar, os tucanos ficariam "a reboque" do bolsonarismo, que teria o verdadeiro protagonismo da oposição para enfrentar o petismo em 2026. No outro cenário, caso o presidente se reeleja, o partido também teria um papel irrelevante. Os críticos da guinada bolsonarista admitem que são minoria e que hoje não há ninguém dentro da legenda com força suficiente para fazer um contraponto a isso.
Ex-ministro das Comunicações, ex-prefeito de Belo Horizonte e da ala tucana a favor de Lula no segundo turno, Pimenta da Veiga também é a favor de que os partidos se unam. "Eu penso que o quadro partidário passará por muitas alterações nos próximos tempos, com federações, fusões e incorporações. E é bom que ocorra para redução do número de partidos", disse.
Cabeças brancas
No caso mais recente de adesão tucana a uma pauta bolsonarista, o ex-senador e ex-chanceler Aloysio Nunes (PSDB-SP) criticou abertamente o partido após a sigla orientar a favor de um conjunto de projetos que estabelece punições a institutos de pesquisas que não acertarem o resultado das eleições. A iniciativa tem sido usada por Bolsonaro para questionar a legitimidade desses institutos.
Nunes disse que a ideia é uma das mais "obscurantistas e liberticidas do bolsonarismo" e que a bancada tucana "sequestrou" o PSDB. "Quando se pensa que os que sequestraram o partido da social democracia já atingiram o fundo do poço do opróbio, eles dão um jeito de cavar mais um pouquinho", argumentou o ex-chanceler.
O ex-senador faz parte da ala dos "cabeças brancas" do PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os senadores Tasso Jereissati e José Serra também integram esse grupo. Ao contrário dos deputados tucanos, essa ala declarou votou em Lula para presidente e rejeita Bolsonaro.
Em mais um capítulo do desgaste do PSDB, o ex-governador de São Paulo João Doria anunciou na quarta-feira, 19, a desfiliação do partido. A saída não foi surpresa para os colegas, mas a forma como se deu, em pleno processo eleitoral de segundo turno, provocou críticas.
Doria nunca foi próximo da cúpula tucana e entrou em diversos embates para ter influência no partido. Tentou ser candidato a presidente, mas foi rifado pelo PSDB após ter vencido um processo de prévias e recebido uma carta do presidente da legenda, Bruno Araújo, garantindo que ele seria o candidato. Apesar de ter sido eleito governador de São Paulo associando seu nome ao de Bolsonaro, em 2018, Doria virou rival do presidente durante a pandemia do coronavírus.
O ex-deputado Marcus Pestana, que foi candidato do PSDB ao governo de Minas, é apoiador de Lula, mas admite haver uma influência bolsonarista no partido. Pestana avaliou, porém, que ainda é preciso esperar o segundo turno das eleições para saber qual direção o partido tomará.
"É preciso saber quem terá hegemonia e o rumo depende de quantos e quais governadores faremos", afirmou o ex-deputado. O PSDB perdeu a eleição para o governo de São Paulo pela primeira vez em 28 anos, mas ainda tem candidatos no páreo no Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Paraíba. "Vamos aguardar. O jogo não acabou. Há uma ala bolsonarista e outra, não. Tudo depende dos resultados", destacou Pestana.