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STF julga se religião pode interferir no tratamento dado pelo SUS

Publicado 18.09.2024, 05:45
STF julga se religião pode interferir no tratamento dado pelo SUS

O STF (Supremo Tribunal Federal) analisa nesta 4ª feira (18.set.2024) se crenças religiosas podem permitir a um paciente requerer tratamento que atenda à sua fé custeado pelo Estado.

No caso concreto, a Corte analisa 2 recursos que tratam de casos de testemunhas de Jeová que pediram tratamentos para a realização de cirurgia sem transfusão de sangue. Na religião, a prática é proibida.

No recurso extraordinário 979742, de relatoria do ministro Roberto Barroso, a União recorre contra um acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Amazonas e Roraima que determinou o pagamento do procedimento cirúrgico, indisponível na rede pública, junto ao Estado do Amazonas e ao município de Manaus.

A defesa alega, contudo, que o tratamento não é diferenciado e é realizado no Hospital do Pari, em São Paulo. Requereu auxílio para custear suas passagens e as do acompanhante, de Manaus para São Paulo, além de hospedagem e ajuda de custo.

Já o recurso extraordinário 1212272, de relatoria de Gilmar Mendes, é da própria paciente testemunha de Jeová contra um acórdão da Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas que manteve decisão que o impediu de realizar procedimento cirúrgico sem transfusão de sangue. A paciente se recusou a assinar termo de compromisso para permitir a transfusão e, por isso, teve a cirurgia negada pelo hospital.

Na decisão que rejeitou o recurso, Gilmar falou em violação ao princípio da isonomia em dar tratamento diferenciado pela convicção religiosa. Posteriormente, reconheceu a repercussão geral do caso por tratar de princípios constitucionais.

Já Barroso, no processo em que é relator, disse que não há violação de isonomia, uma vez que a União não identifica uma lista de pacientes em idêntico quadro médico, o que justificaria uma infração à ordem de preferência.

VIOLAÇÃO À ISONOMIA

Ao Poder360, especialistas endossam o argumento de Barroso. Para eles, o sistema público de saúde, sendo igualitário e universal, deve conceder tratamento que atenda também à convicção religiosa do paciente, direito garantido na Constituição.

Segundo Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o princípio seria violado caso o custeio do tratamento fosse dado só às testemunhas de Jeová.

Já para Fernanda Zucare, especialista em direito do consumidor na Zucare Advogados Associados, os tratamentos “diferenciados” requeridos não são custosos à União e estão previstos no SUS (Sistema Único de Saúde). Em ambos os recursos, as defesas alegam que aceitam “outras terapias e técnicas previstas no Sistema Único de Saúde”.

No RE 979742, o paciente alegou que o Hospital do Pari, em São Paulo, seria especializado em cirurgias ortopédicas de baixa e alta complexidade em pacientes que não aceitam transfusão. Pediu ajuda de custo com passagens e hospedagem, por ser de Manaus (AM).

“Não é um tratamento experimental, não é um tratamento milionário, não é um tratamento custoso, é um tratamento que vai dar um direito já previsto na Constituição a um paciente”, disse Zucare.

Em ambos os recursos, a PGR se manifestou pelo direito de querer tratamento que atenda à convicção religiosa. No 1º caso, disse que a União deve arcar com os custos para realização do tratamento, desde que ele esteja vigente no SUS. No 2º, defendeu a recusa da paciente, desde que não houvesse risco à saúde da coletividade, e também a realização de procedimento alternativo se houvesse capacidade técnico-científica.

IMBRÓGLIOS

As repercussões gerais vinculadas ao julgamento estão nos temas 1069 e 952. O 1º fala do direito das testemunhas de Jeová de requererem tratamento médico sem transfusão de sangue. Já o 2º discute “a possibilidade de o direito à liberdade religiosa justificar o custeio de tratamento médico indisponível na rede pública”.

Segundo os especialistas, os ministros devem ser cuidadosos ao tratar da 2ª definição. Alegam que pode causar uma “insegurança jurídica” se a tese definida abarcar tratamentos não disponíveis no sistema público de saúde.

Para Figueiredo, o SUS deve comprovar que tem como realizar o tratamento diferenciado. Para Zucare, ainda que o SUS não faça o tratamento, ele pode e deve ser incorporado ao sistema caso seja reconhecido pela medicina e pelos órgãos reguladores, como a Anvisa, para respeitar a liberdade religiosa.

Zucare ressalta ainda que, nos 2 recursos em julgamento, as defesas argumentam que os tratamentos pedidos estão previstos no SUS, logo, o tema vinculante estaria indo além do requerido nos processos.

Os especialistas dizem que o tema pode abrir precedentes para que as pessoas tentem requerer tratamento diferenciado, independentemente da convicção religiosa.

Esta reportagem foi escrita pela estagiária de jornalismo Bruna Aragão sob supervisão do editor Victor Schneider.

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