O STJ (Superior Tribunal de Justiça) julga nesta 4ª feira (4.out.2023) o recurso contra a decisão que manteve a divisão de royalties de petróleo no Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma ação milionária que pode reconfigurar a distribuição de receitas entre cidades da região.
O recurso foi apresentado pelo município de Guapimirim, que tenta, juntamente de São Gonçalo e Magé, receber mais royalties. É mais um capítulo de uma longa disputa que iniciou na Justiça Federal do Distrito Federal. Agora, a Corte julga os chamados “embargos de declaração” apresentados contra o acórdão do julgamento do STJ.
Em 19 de abril deste ano, o STJ referendou, por unanimidade, decisão da presidente Maria Thereza Assis, que suspendeu o repasse dos royalties aos municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim. As 3 cidades pedem a inclusão na chamada ZPP (Zona de Produção Principal), e assim ter acesso aos royalties.
Em setembro de 2022, a Justiça Federal do Distrito Federal concedeu de forma liminar a autorização para mudar a distribuição dos royalties entre os municípios. Originalmente, esses recursos pertenciam a Niterói –autora de um recurso de apelação contra a liminar, que previa tutela de urgência–, a capital Rio de Janeiro e a Maricá.
Ao decidir contra a mudança dos repasses, em setembro de 2022, a ministra Maria Thereza considerou o prejuízo de R$ 1 bilhão por ano à cidade de Niterói, valor correspondente a quase 25% do orçamento anual do município. Entendeu, ainda, que a movimentação causaria grave lesão à ordem pública.
Apenas em agosto e julho do ano passado, por causa da liminar, São Gonçalo teve um aumento de 1.066% nos repasses de royalties –de R$ 4,2 milhões para R$ 49 milhões. No período, Niterói viu sua arrecadação cair em 49% –de R$ 101 milhões em julho e R$ 52 milhões em agosto.
Já a capital do Estado registrou perda de R$ 39,8 milhões de recursos no mês de agosto em repasses de royalties. O município estimava, ainda, prejuízo de mais de R$ 200 milhões até o fim de 2022 e de R$ 500 milhões no exercício orçamentário de 2023. Eis a íntegra da petição (PDF – 234 kB) apresentada pelo município do Rio de Janeiro, parte interessada no processo.
A região é cercada de campos de petróleo importantes do pós-sal e pré-sal, como o de Tupi, o 2º maior produtor do Brasil. Os royalties são recolhidos pelas petroleiras para a ANP (Agência Nacional de Petróleo e Gás Natural), que faz a distribuição entre os municípios conforme a divisão estabelecida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
São Gonçalo, Magé e Guapimirim alegam que como são banhados pela Baía de Guanabara, assim como os outros 3 municípios, também fazem parte da Zona de Produção Principal desses campos. Pela proposta feita, parte dos royalties recebidos pelas atuais cidades teria que ser dividido.
Entre os argumentos, os requerentes apontam também a necessidade de ser considerada a regra da proporcionalidade. Indicam que os royalties destinados a Niterói são 30 vezes os de São Gonçalo, apesar de ter menos habitantes.
Entenda a movimentação do caso nos tribunais:
- 19.jul.2022 – o juiz Frederico Botelho de Barros Viana, substituto da 21ª Vara Federal Cível de Brasília, concede a mudança na divisão dos royalties a São Gonçalo, Magé e Guapimirim, passando a considerar os municípios como Zona de Produção Principal. O juiz estava em regime de plantão havia 1 dia e definiu a questão por meio de uma sentença com tutela de urgência;
- 1º.set.2022 – TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) mantém a cautelar depois de recurso apresentado contra a mudança por Niterói. Eis a íntegra (PDF – 61 kB). O município, que sofreria os impactos nos cofres públicos, não era parte do processo apresentado pelos demais e só foi notificado depois. A decisão vinha de uma ação contra o IBGE, responsável por definir a Zona de Produção Principal; e a ANP, que executa o pagamento dos royalties a partir dos critérios do IBGE;
- 14.set.2022 – ministra Maria Thereza, do STJ, suspende a decisão e seus efeitos de tutela de urgência, o que representou uma vitória aos municípios de Niterói, Maricá e Rio de Janeiro. Eis a íntegra da decisão (PDF – 55 kB);
- 26.dez.2022 – a presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Rosa Weber, nega o pedido apresentado por São Gonçalo, Magé e Guapimirim à Suprema Corte para sustar os efeitos da decisão da presidente do STJ. Entende o pedido como “absolutamente incabível”. Eis a íntegra (PDF – 234 kB);
- 8.mar.2023 – há pedido de destaque em julgamento na sessão virtual pela Corte Especial do STJ de ação contra a decisão da ministra Maria Thereza;
- 19.abr.2023 – por unanimidade, a Corte Especial decide manter a divisão dos royalties de petróleo;
- 4.mai.2023 – município de Guapimirim entra com embargos de declaração na Corte Superior.
“SOMBRA DE ILHA”
Para calcular quanto vai para cada município, o IBGE traça linhas imaginárias paralelas a partir do limite dos municípios litorâneos. A proporção que as linhas ocupam nos poços de petróleo produtivos é a mesma proporção que as cidades podem receber em royalties. Por exemplo, se um campo está 50% na faixa litorânea de uma única cidade, metade dos royalties que ele produz irão para este município.
Outro critério usado é a quantidade de instalações industriais ou de apoio envolvendo a produção e distribuição de petróleo que estão ativas em um determinado território, como terminais portuários e dutos. Segundo o IBGE, São Gonçalo, Magé e Guapimirim não se enquadram na definição de Zona de Produção Principal de acordo com os 2 critérios.
A ação movida pelos municípios argumenta que o IBGE teria mudado em 2020 seus critérios quando há saliências no litoral brasileiro, e aplicado o novo cálculo ao distribuir royalties referentes a São Sebastião, Ilhabela e Caraguatatuba, no litoral de São Paulo. A mesma medida, diz a ação, deveria ser usada no Rio.
O repasse obtido à prefeitura de São Sebastião (SP) chegou a ser suspenso por decisão do desembargador federal Antonio Cedenho, do TRF3 (eis a íntegra – 36 kB) em 11 de novembro de 2022. Em 5 de dezembro, o ministro reconsiderou (eis a íntegra – 64 kB) e certificou o trânsito em julgado do caso (quando não cabe mais recurso).
Ocorre que não se tratou de novo critério do IBGE, mas de uma mudança de cálculo pontual em casos envolvendo ilhas que fazem “sombra” em outros municípios litorâneos, bloqueando as linhas traçadas pelo IBGE.
O juiz substituto Frederico Botelho de Barros Viana, no entanto, aceitou o argumento de que o método deveria ser usado também no Rio, como se alguns municípios que não são ilhas devessem ser assim considerados quanto às linhas definidas pelo IBGE e fizessem sombra aos demais.
“Pelas projeções hoje aplicadas, os municípios do Rio de Janeiro e Niterói, especialmente, fazem sombra sim aos municípios autores, impedindo o traçado de linhas geodésicas a partir dos limites geográficos dos autores […], as projeções geodésicas são traçadas como se Rio de Janeiro e Niterói fossem sim ilhas, sendo incontroverso que os 2 municípios fazerem barreira e impedem a projeção de linhas dos autores [São Gonçalo, Magé e Guapimirim]”, disse o juiz na época.
Tanto o IBGE quanto a ANP enviaram pareceres contrários à decisão. Disseram que o conceito de “sombra de ilha” é pontual e não deveria ter sido aplicado, salvo em casos que de fato envolvem ilhas.
“É inviável considerar a hipótese de que os municípios de Niterói/RJ e Rio de Janeiro/RJ realizem ‘sombra de ilhas’ sobre os municípios requerentes, pois eles não são municípios com sede insular [uma ilha]”, disse o IBGE.
O QUE DIZEM OS MUNICÍPIOS
O município de São Gonçalo argumenta que não há a aplicação correta da divisão cartográfica dos royalties de petróleo na região litorânea do Estado. Diz que o cálculo feito pelo IBGE desconsidera a Baía de Guanabara.
Os 3 municípios alegam, ainda, questões sociais a respeito das condições de vida das populações das cidades envolvidas. Tratam-se de municípios com recursos menores do que os que, atualmente, têm direito aos royalties de petróleo.
O que se entende, por outro lado, é que os recursos provindos de royalties não contemplam funções de fundo social, como apurou o Poder360. Além disso, o procedimento que está sendo julgado não diz respeito ao mérito da questão –ou seja, do assunto fundamental levantado pela ação–, mas avalia a legalidade da liminar concedida.
O prefeito de Niterói, Axel Grael, disse ao Poder360, que eventual divisão com os municípios poderia trazer um “caos orçamentário” e colocaria em risco a continuidade das obras públicas financiadas com recursos dos royalties.
NITERÓI VAI AO TCE
Para ingressar com a ação na Justiça Federal, os municípios de São Gonçalo, Guapimirim e Magé contrataram o escritório Djalci Falcão Advogados Associados, que tem boa entrada em Brasília. Djalci Falcão é filho do ministro Francisco Falcão, do STJ.
Em representação enviada ao TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Rio de Janeiro, a Procuradoria Geral de Niterói se manifestou contra a contratação do escritório. Afirma que o contrato deve ser suspenso e questiona a contratação do Nupec (Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria) para realizar o estudo que levou a contestação da divisão de royalties na região. Eis a íntegra da representação (PDF – 5 MB).
Outro ponto questionado é a porcentagem dos honorários cobrados pelos escritórios, de 20% dos lucros obtidos. Somente com a liberação de royalties trimestral concedida pela Justiça Federal, os advogados receberam R$ 100 milhões. O contrato é de 36 meses. Segundo a Procuradoria de Niterói, é previsto que o pagamento chegue a R$ 1 bilhão com a liberação dos pagamentos.
Articuladores dos municípios alegam que a contratação de consultoria para questionar a divisão do Instituto carece de isenção, já que o contrato visaria, por fim, uma nova proposta de distribuição.
O diretor de projetos da Nupec Sylvio Nunes Pereira alega que os procuradores que representam Niterói, Rio de Janeiro e Maricá não são especializados em estudos de geografia física. Além disso, afirma que os outros 3 municípios não buscam, com as ações, uma distribuição “igual” de todos os recursos dos royalties, mas sim, proporcional. Eis a íntegra (PDF – 403 KB) de um dos estudos resumidos apresentados pela Nupec.
Além disso, mesmo se tratando da esfera municipal, o TCU (Tribunal de Contas da União) também abriu uma apuração sobre o caso, para analisar “possíveis prejuízos para a União e para a Petrobras (BVMF:PETR4) decorrentes da majoração do pagamento de royalties relativos à produção de petróleo e gás a municípios“. Eis a íntegra (PDF – 194 KB) da representação do MP junto ao TCU.