Pouco mais de três anos após encerrar a produção de veículos no Brasil, como parte de uma reestruturação global, a Ford (NYSE:F) saiu do vermelho e celebra os bons resultados no País. Em entrevista exclusiva ao Estadão, a primeira desde então, o vice-presidente da Ford na América do Sul, Rogelio Golfarb, falou sobre as mudanças no modelo de negócios, incluindo a aposta na unidade brasileira de desenvolvimento de novas tecnologias, que faturou R$ 500 milhões em 2022, e o calendário de lançamentos, com 10 novos modelos em 2023. Além disso, o engenheiro e ex-presidente da Anfavea, afirma que o futuro do setor é a eletrificação e que o Brasil tem tudo para ser protagonista dessa revolução.
Como está a Ford do Brasil atualmente?
A Ford está passando por um processo global de reestruturação, com foco em SUVs, veículos comerciais e picapes. Além disso, a eletrificação representa uma transformação brutal para a indústria, que afeta todas as operações. No Brasil, concluímos que a saída era um novo modelo de negócios. A transformação tecnológica do setor, além de ser veloz, vai afetar o comportamento do consumidor, tanto na forma como ele enxerga quanto na utilização do produto. Optamos por investir num centro de pesquisa e desenvolvimento. São mais de 1.500 especialistas focados na criação de soluções para produtos globais. Cerca de 80% do tempo deles é dedicado a projetos que vão para os Estados Unidos, a Europa e a China. Atuamos na fronteira da tecnologia, somos muito competitivos, criamos patentes e, em 2022, geramos R$ 500 milhões em receita. O fato de desenvolvermos e exportarmos tecnologia é importante para o Brasil, inclusive.
A empresa está no azul?
Antes, a Ford perdia dinheiro no País e hoje está positiva. E agora atuamos em um modelo de negócios mais resiliente às crises, como a que o setor está enfrentando agora. Além de obter lucratividade, estamos bem nos segmentos em que atuamos. A (linha de vans e furgões) Transit foi a que mais cresceu em vendas. Além disso, a (picape média) Ranger apresenta ótima performance, e o Mustang é o líder de vendas entre os esportivos. Nossa meta é continuar crescendo.
A marca vem lançando mais carros agora do que quando produzia aqui...
Sim. Neste ano serão dez novos produtos. E estamos trabalhamos fortemente na área de veículos comerciais. Acabamos de lançar o Ford Pro, uma estrutura de apoio a frotistas, seja para quem tem um ou 1.000 veículos. Há ainda a área de conectividade, com produtos e serviços, e focada em experiência do consumidor.
Quais são esses dez carros?
Já lançamos a (picape grande) F-150, as versões automática e elétrica da Transit, que está em testes com clientes. Além disso teremos a (picape compacta) Maverick híbrida, o (SUV elétrico) Mustang Mach-E, a nova Ranger e a Transit chassi-cabine, que vai disputar um segmento que representa 60% das vendas desse tipo de veículo. Sobre os outros três, não posso falar ainda.
Qual é a aposta da Ford para o carro do futuro?
A palavra é tecnologia. Ou seja, o que faz a sua vida ser melhor. A reestruturação do modelo de negócios passa pela visão de que essa evolução será muito rápida. Os sistemas vão ser os grandes diferenciais entre os produtos. A conectividade é um. Soluções autônomas (de condução) e eletrificação são outros. Ainda há poucos elétricos no Brasil. Mas as vendas cresceram 44% em 2022. Em 2023, a Ford vai produzir 600 mil veículos elétricos. Em 2026, serão 2 milhões. No período de 2022 a 2026, vamos investir US$ 50 bilhões nesse processo. Isso inclui os sites do Kentucky e do Tennessee, e a fábrica de baterias em Michigan, que usa fosfato de ferro, e não lítio, e vai produzir 400 mil baterias por ano a partir de 2026. Esses investimentos são incrementais, e não substituem outros. Acabo de voltar dos EUA de um evento global da Ford e, apesar de meu conhecimento sobre tecnologia, muita coisa me surpreendeu bastante.
O que o Brasil precisa fazer para viabilizar o elétrico?
Me preocupa menos a questão da recarga do que a política industrial. O Brasil tem base de suprimentos, cadeia de manufatura, terras raras e minerais importantes no processo de eletrificação, mas não entendeu ou não tem uma estratégia nesse sentido. Além disso, há um excepcional potencial de geração de energia limpa, mas isso precisa ser feito de forma rápida e descentralizada. Outra questão é que a geração é com equipamentos e tecnologia importados. Acho que o Ministério da Indústria deveria coordenar essa política, que envolve pastas como Minas e Energia, Comunicações, Ciência e Tecnologia... O País tem tudo para evoluir no tema, ao menos do ponto de vista intrínseco.
Como o sr. vê o mercado brasileiro de veículos nos próximos anos?
Sou otimista no curto prazo e realista no longo. Primeiro é preciso entender exatamente onde estamos. O mercado está estável em 2 milhões de unidades, que é o volume de vendas durante o ápice da pandemia. A capacidade de produção é de 4,5 milhões e as vendas no mercado interno são de 2,1 milhões, sendo que 50% devem ser para frotistas. Dos 1 milhão de consumidores finais, 60% compram à vista. Ou seja, quando a gente olha para o potencial dessa indústria, é bem preocupante.
Como estão as negociações para a venda das fábricas do Ceará e da Bahia?
Estamos negociando (Camaçari) com a (chinesa) BYD. O processo está evoluindo, mas não dá para dizer quando deve ser concluído. Com a do Ceará não é diferente. Não vou abrir quem são os interessados e ainda não há uma definição. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.