Por Rodrigo Viga Gaier e Marcela Ayres
RIO DE JANEIRO/BRASÍLIA (Reuters) - Brasil e Argentina assinaram nesta sexta-feira um novo acordo automotivo que prevê o livre comércio de veículos e autopeças entre ambos a partir de julho de 2029, com aumento gradual até lá do fluxo de importações e exportações livres de taxação.
O acordo, celebrado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo ministro de Produção e Trabalho da Argentina, Dante Sica, também define tratamento diferenciado para veículos híbridos, elétricos e para automóveis com maior conteúdo tecnológico, flexibilizando condições para seu comércio.
Guedes afirmou a jornalistas que o entendimento representa uma avanço na integração bilateral e independe das eleições no país vizinho, que estão sendo lideradas pelo candidato de oposição Alberto Fernández, de centro-esquerda.
"Trata-se de uma maior aproximação com a Argentina", afirmou Guedes a jornalistas, ao comentar o novo acordo.
Pelo acordo atual, que vale até junho de 2020, cada dólar de veículo importado permite ao parceiro exportar o equivalente a 1,5 dólar para o vizinho sem incidência de tributação.
Sob o novo acordo, essa relação, conhecida como flex, passa imediatamente a 1,7 até junho de 2020. Depois obedecerá uma escala até chegar a 3 a partir de julho de 2028 a junho de 2029.
Para os carros híbridos e elétricos, haverá uma cota com taxação zero que começará com 15 mil unidades e aumentará gradualmente ao longo dos próximos dez anos até 50 mil unidades.
Haverá também uma cota de 10 mil unidades para os veículos de categoria premium com maior conteúdo tecnológico.
O ministro Sica, da Argentina, disse que a definição de regras mais estáveis para o acordo, que até então vinha sendo renovado a cada dois ou três anos, trará mais estabilidade.
Ele defendeu que o Mercosul precisa ter mais conexão com o mundo para garantir mais competitividade, produtividade e geração de empregos. "É preciso consolidar o Mercosul e aumentar o fluxo de comércio", afirmou Sica.
Fonte do governo afirmou à Reuters que o desenho do acordo estava sendo trabalhado desde o início do governo, uma vez que mais de 40% do comércio entre Brasil e Argentina é automotivo.
A mesma fonte destacou que o acordo entre o Mercosul e a União Europeia fechado mais cedo neste ano também embalou as negociações, ao determinar uma cronologia clara para o livre comércio automotivo, a ser alcançado ao cabo de 15 anos.
O quadro acabou fazendo com que a Argentina sentasse à mesa para discutir um livre comércio com o Brasil para o mesmo setor, sem a exigência de condicionantes.
Os mercados na Argentina sofreram forte abalo após o presidente Macri --que chegou ao poder em 2015 como defensor do livre mercado e crítico de políticas intervencionistas-- ter sido derrotado em eleições primárias em agosto pelo rival peronista Fernández, que concorre em chapa com a ex-presidente Cristina Kirchner. A eleição será em 27 de outubro.
Veja abaixo o aumento da relação flex dentro do novo acordo enquanto o livre comércio não entrar em vigor:
julho/2015 a junho/2020: 1,7
julho/2020 a junho/2023: 1,8
julho/2023 a junho/2025: 1,9
julho/2025 a junho/2027: 2,0
julho/2027 a junho/2028: 2,5
julho/2028 a junho/2029: 3,0
REPERCUSSÃO
Segundo dados do Ministério da Economia, de janeiro a julho o principal produto doméstico exportado para o país vizinho foi veículos de passageiros (22%), sendo seguido por partes e peças para veículos e tratores (7,8%). Mas, diante da crise econômica argentina, houve redução de 40% das exportações brasileiras ao mercado argentino ante mesmo período do ano passado.
À Reuters, Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior do Brasil e sócio da Consultoria Barral M Jorge, disse que o acordo já era esperado há vários anos.
"Esse acordo vem sempre sendo postergado, justamente pelo temor da Argentina de que, caso haja uma liberalização total (do comércio), possa haver transferência de produção de automóveis da Argentina para o Brasil. O Brasil possui um parque industrial muito maior na área automotiva", disse.
Newton Rosa, economista-chefe da Sulamérica Investimentos, lamentou o adiamento em nove anos da liberalização do comércio entre os dois países. "É uma situação que poderia ser melhorada, caso fosse antecipada essa liberalização", afirmou.
Em nota, Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea, que representa as montadoras de veículos no Brasil, afirmou que o prazo de dez anos do acordo traz um cenário de previsibilidade e segurança jurídica para a indústria automobilística.
"Durante esse prazo, o incremento contínuo do flex poderá acomodar eventuais flutuações desses dois mercados, até que o livre comércio coloque nosso bloco em linha com outros acordos bilaterais", afirmou Moraes.
(Com reportagem adicional de Gabriel Ponte; edição de Isabel Versiani e Aluísio Alves)