Por Raphael Satter e Katie Paul e Sheila Dang
(Reuters) - Maria Julia Assis estava sentada para comer em sua casa, no norte de Londres, quando seu filho de 6 anos entrou correndo na sala de jantar com o rosto pálido.
O quebra-cabeça do celular do menino havia sido interrompido por um vídeo que mostrava militantes do Hamas, famílias israelenses aterrorizadas e imagens desfocadas. Em uma tela preta, uma mensagem do Ministério das Relações Exteriores israelense dizia ao garoto: "VAMOS NOS CERTIFICAR DE QUE AQUELES QUE NOS FERIRAM PAGARÃO UM ALTO PREÇO".
Maria, uma barista brasileira de 28 anos, afirmou que a propaganda deixou seu filho trêmulo, e ela logo deletou o jogo.
"Ele ficou chocado", afirmou em entrevista telefônica na semana passada. "Ele literalmente perguntou: 'o que essa propaganda sangrenta está fazendo no meu jogo?'."
A Reuters não conseguiu estabelecer como o anúncio chegou ao videogame do menino, mas sua família não está sozinha. A agência de notícias documentou pelo menos cinco outros casos na Europa onde o mesmo vídeo pró-Israel — imagens de ataques com foguetes, uma explosão e homens mascarados — foi mostrado a pessoas em jogos, incluindo crianças.
Em pelo menos um dos casos, a propaganda foi rodada no popular jogo "Angry Birds", desenvolvido pela Rovio, que faz parte da SEGA.
A Rovio confirmou que "de alguma maneira essas propagandas com conteúdo perturbador chegaram por engano em nosso jogo" e que elas estão sendo bloqueadas manualmente. A porta-voz da empresa, Lotta Backlund, não especificou qual de seus "cerca de uma dúzia de parceiros de publicidade" publicou o anúncio.
O chefe da área digital do Ministério das Relações Exteriores israelense, David Saranga, confirmou que o vídeo é uma propaganda promovida pelo governo, mas afirmou "não ter ideia" de como ela acabou sendo veiculada dentro de vários jogos.
Ele explicou que a propaganda faz parte de uma campanha maior do Ministério das Relações Exteriores de Israel, que gastou 1,5 milhão de dólares em anúncios na internet desde que o ataque do Hamas, em 7 de outubro, a civis no sul de Israel desencadeou a guerra em Gaza. Segundo ele, autoridades instruíram especificamente os anunciantes a "bloquear o serviço para menores de 18 anos".
Saranga defendeu o caráter sensível da campanha publicitária.
"Queremos que o mundo entenda o que aconteceu aqui em Israel", afirmou Saranga. "É um massacre."
A Reuters não encontrou evidências de um esforço de propaganda análogo do lado palestino, a não ser alguns vídeos em idioma árabe veiculados pela Palestine TV, uma agência de notícias afiliada da Autoridade Palestina.
A Reuters documentou seis casos — no Reino Unido, França, Áustria, Alemanha e Holanda — onde pessoas viram propagandas iguais ou similares à mostrada ao filho da brasileira.
No caso de Maria Julia, o jogo que continha a peça publicitária era o "Alice's Mergeland", de uma empresa chamada LazyDog Game. Outros jogos "familiares" que exibiram publicidade do tipo foram "Stack", "Balls'n Ropes", "Solitaire: Card Game 2023" e "Subway Surfers".
(Reportagem de Raphael Satter, em Washington, Sheila Dang e Katie Paul, em Nova York)