Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Um acordo entre Brasil e Paraguai sobre a energia produzida pela hidrelétrica binacional de Itaipu, que tem gerado enorme controvérsia no país vizinho, é positivo para o Brasil e corrige distorções que geraram custos extras para os brasileiros nos últimos anos, defendeu em entrevista à Reuters o presidente do centro de estudos em energia Acende Brasil, Claudio Sales.
A avaliação do instituto privado de análises do setor energético brasileiro ocorreu após o ministro das Relações Exteriores paraguaio Luis Castiglioni e o embaixador no Brasil Hugo Saguier entregarem os cargos, na sequência de notícias na imprensa sobre o acordo, que segundo autoridades locais gera despesas adicionais de cerca de 200 milhões de dólares para o país até 2022.
A polêmica, que também fez executivos da estatal de energia ANDE e do lado paraguaio de Itaipu deixarem seus postos, vem em momento em que Brasil e Paraguai se preparam para renegociar os termos financeiros do tratado assinado em 1973 entre os países pela hidrelétrica.
A revisão do chamado "anexo C" do tratado está prevista para até 2023, quando o financiamento tomado para a implementação da usina, maior geradora de energia do mundo, estará totalmente amortizado.
"Não é a primeira vez em que assistimos uma enorme movimentação no Paraguai em torno desse assunto, e é compreensível que isso aconteça, dada a relevância de Itaipu em relação à economia do Paraguai com um todo. Mas o que assusta é como toda essa discussão lá é baseada em informação tendenciosa", disse Sales em conversa por telefone.
Pelo acordo entre Brasil e Paraguai, fechado em maio e até então não divulgado oficialmente, os paraguaios aumentaram o montante de potência de Itaipu que pretendem utilizar nos próximos anos, até 2022.
O tratado entre os países define que eles devem definir quanto de potência da usina demandarão a cada ano, com os pagamentos de custos do financiamento da usina sendo rateados de acordo com essa contratação.
A questão é que o Paraguai não vinha elevando a potência contratada anualmente apesar de uma alta no consumo de energia do país, o que na prática o permitia escapar do rateio dos custos do empréstimo que financiou a hidrelétrica, afirmou Sales.
"O que vinha acontecendo sistematicamente é que o Paraguai declarava que ia comprar uma potência no ano muito menor que de fato demandava... e o Brasil fechava os olhos para esse negócio. Nos últimos quatro anos o consumo no Paraguai aumentou 40%, mas a indicação do uso de potência só aumentou 8%", criticou Sales.
"O que foi feito é na verdade um ajuste gradual dessa situação, para voltar aos termos previstos no tratado... o Brasil está pagando uma parte do financiamento que caberia ao Paraguai", defendeu o especialista, que classificou a situação como "absurda".
O presidente do Acende Brasil, um "think tank" dedicado ao setor elétrico, argumentou que o país vizinho já havia se beneficiado em outras ocasiões, como quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a um acordo com o então presidente paraguaio Fernando Lugo para retirada do índice inflacionário do valor da dívida principal do Paraguai por Itaipu.
Em comunicado na semana passada, a Eletrobras (SA:ELET3) afirmou que essa mudança, aprovada em lei de 2007, "resultou, no período de 10 anos, em um valor de, aproximadamente, 2,8 bilhões de dólares".
Além disso, o Brasil bancou na época a construção de uma linha de transmissão para o Paraguai, que inclusive ajudou o país a ter a infraestrutura necessária para aumentar seu consumo de eletricidade nos últimos anos. A obra custou cerca de 500 milhões de dólares, financiados pelo Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul, com aporte do Brasil e uma contrapartida de 15% dos paraguaios.
"O Brasil tem que ser muito duro e não aceitar essas provocações", afirmou Sales.
"Todo esse barulho e esse escândalo são na verdade um enorme teatro que está sendo feito para endurecer as bases de negociação com o Brasil depois (em 2023)", acrescentou.
NEGOCIAÇÃO À FRENTE
De olho na revisão dos termos financeiros de Itaipu em 2023, os paraguaios contrataram o economista norte-americano Jeffrey Sachs, conhecido por seu engajamento pró-países em desenvolvimento e contra a pobreza, para apoiar suas negociações.
Sales defende, por outro lado, que o Brasil também precisa garantir seus direitos no Tratado de Itaipu, sugerindo que o país poderia até, "em um caso extremo", recorrer a uma arbitragem internacional caso seja prejudicado.
Segundo ele, o final dos pagamentos do empréstimo que viabilizou a usina em 2023 tem potencial de reduzir as tarifas da energia de Itaipu para os consumidores, a depender dos rumos das negociações entre os países.
A hidrelétrica de Itaipu tem um corpo diretivo formado por profissionais brasileiros e paraguaios --no Brasil, a gestão da usina é liderada pela estatal Eletrobras, enquanto no vizinho a tarefa é da elétrica ANDE.
Procurada, a Eletrobras afirmou que só irá se manifestar sobre o tema em comunicados ao mercado. O Ministério de Minas e Energia disse que o assunto é da alçada do Ministério das Relações Exteriores, que não respondeu pedidos de comentário. Os lados brasileiro e paraguaio de Itaipu também não comentaram de imediato.
Na sexta-feira passada, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro cumprimentou o presidente paraguaio Mario Abdo por meio de mensagem no Twitter pelo acerto sobre Itaipu.
"Cumprimento o Presidente Mario Abdo pela serena e firme defesa dos interesses do Paraguai. O acordo de contratação de energia, previsto no Tratado da Itaipu Binacional, reforça as boas relações entre nossos países e permite que sigamos trabalhando juntos em prol de nossos povos", escreveu ele, sem detalhar.