Por Luciana Otoni
BRASÍLIA (Reuters) - O governo federal quer ganhar do Congresso Nacional a liberdade de não ter, na prática, uma meta de superávit primário neste ano ao propor, em projeto de lei encaminhado nesta terça-feira ao Legislativo, que todos os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as desonerações tributárias possam ser descontadas do objetivo.
O projeto propõe a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, que limita os descontos da meta de superávit primário a 67 bilhões de reais em gastos com o PAC e com as desonerações tributárias.
Sem limite, o governo poderá abater muito mais, já que de janeiro a setembro os gastos com o PAC somam 47,2 bilhões de reais e as desonerações chegam a 75,7 bilhões de reais, segundo dados do Tesouro. E esse montante total de 123 bilhões de reais deve subir até o fim do ano.
"Não temos como cravar a meta neste momento porque dependemos do comportamento da receita, que está errática. Seria arriscado cravar uma meta", disse a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, em audiência na Comissão Mista do Orçamento nesta terça-feira, após ser cobrada a indicar um novo objetivo.
Ela responsabilizou o baixo crescimento econômico pela deterioração das contas públicas, e disse que ao ajustar a meta o governo optou por manter investimentos e desonerações.
A ministra, que chegou a dizer aos parlamentares que a situação fiscal brasileira "é bastante confortável", disse, no entanto, que o governo ainda persegue um resultado positivo.
"O compromisso do governo é fazer superávit este ano e fazer o maior superávit possível."
A meta de superávit primário, que é a poupança para o pagamento dos juros da dívida pública, estabelecida na LDO é de 167,4 bilhões de reais, ou cerca de 3 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). Mas com os descontos permitidos, o governo estava perseguindo uma meta de 99 bilhões de reais neste ano, equivalente a 1,9 por cento do PIB.
De janeiro a setembro, contudo, o resultado primário do setor público consolidado --governo central, Estados, municípios e estatais-- ficou negativo em 15,286 bilhões de reais, o primeiro na série histórica do Banco Central, iniciada em 2002.
"O ideal seria assumir o resultado fiscal negativo como está, mas mostrar o caminho correto, com queda de despesas e redução nas renúncias. Ou seja, o caminho de volta à responsabilidade fiscal", afirmou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.
"Hoje a meta já é muito pouco relevante porque não temos clareza do que é contabilidade criativa, o que é postergação de despesas... Estamos meio sem parâmetro e, no final, é isso, não tem mais meta", acrescentou.
Nos últimos anos, o governo tem sido bombardeado por críticas de agentes econômicos pela condução da política fiscal, que contou com manobras criativas, abalando a confiança no comprometimento do governo com o equilíbrio das contas públicas.
"É uma questão puramente burocrática e não resolve o problema", afirmou o especialista em contas públicas Raul Velloso sobre a nova proposta do governo.
GOVERNO VERSUS OPOSIÇÃO
Miriam Belchior enfrentou um duro questionamento sobre o não cumprimento da meta de superávit por parlamentares da oposição em audiência na Comissão Mista.
"É falta de responsabilidade fiscal de quem gasta mais do que arrecada", criticou o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG).
Ela contou, por outro lado, com os parlamentares da base de apoio, que ajudaram na defesa do governo.
"Espero debate duro, mas maduro, consistente com o crescimento do país", disse o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que será o relator do projeto de lei que altera a LDO de 2014. Ele disse que pedirá urgência no parecer da proposta que amplia os abatimentos na meta de superávit.
(Reportagem adcional de Flavia Bohone e Bruno Federowski, em São Paulo)