Por Leonardo Goy
BRASÍLIA (Reuters) - O setor elétrico brasileiro perdeu sua autonomia financeira e tornou-se "Tesouro-dependente", avaliou nesta quarta-feira o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), José Jorge, relator de auditoria que concluiu que a renovação antecipada de concessões de energia em 2012 terá gerado despesas de 61 bilhões de reais até o fim deste ano.
"Esse setor, que era independente do Tesouro, agora ficou 'Tesouro-dependente'", disse o ministro do TCU que já foi ministro de Minas e Energia.
Desde 2013, recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), criada originalmente para fins como universalização da luz, vêm sendo usados para cobrir custos relacionados à medida provisória 579 de renovação das concessões elétricas.
A cobertura da exposição involuntária de distribuidoras de energia ao mercado de curto prazo e as indenizações pelos ativos não amortizados de empresas que aceitaram a renovação são exemplos das despesas pagas com a CDE.
Para ajudar as distribuidoras diante da energia de curto prazo mais cara pelo baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas devido à estiagem, o Tesouro tem feito aportes na CDE e, além disso, o governo federal intermediou em 2014 dois empréstimos emergenciais ao setor elétrico que somam 17,8 bilhões de reais.
Pelas contas do TCU, os dois empréstimos custarão um total de 26,6 bilhões de reais aos consumidores de 2015 a 2017, já incluindo os juros estimados pelo tribunal em 8,79 bilhões de reais.
Segundo o tribunal, os problemas do setor elétrico começaram depois da renovação onerosa das concessões, que foi feita pelo governo com o objetivo de reduzir as tarifas em cerca de 20 por cento.
Com a não adesão ao plano de três das principais geradoras de energia envolvidas --as estatais estaduais Cesp (São Paulo), Cemig (Minas Gerais) e Copel (Paraná), o desconto cairia para cerca de 15 por cento. Na época, lembra o TCU, o governo decidiu aumentar o aporte do Tesouro para assegurar a redução na conta de luz que tinha prometido inicialmente.
Segundo o TCU, os custos que acabaram surgindo após a renovação das concessões eliminarão, até o fim do biênio 2014/2015, o desconto nas tarifas de anunciado em 2012.
"São evidentes as falhas de governança, materializadas na conclusão da unidade técnica de que para o biênio 2014/2015 todo o efeito da MP 579/2012 já estará eliminado, porquanto as tarifas residenciais e industriais, ao final do período, atingirão valores superiores aos vigentes em 2012", diz o relatório do ministro José Jorge.
Segundo o TCU, as três empresas que não aderiram à renovação antecipada ganharam 5,7 bilhões de reais com a venda de energia no mercado de curto prazo entre janeiro de 2013 e maio de 2014.
"Há um desequilíbrio no sistema, consubstanciado na coexistência das geradoras que aderiram à renovação das concessões, e sua frágil situação financeira, com aquelas que não se submeteram ao novo regramento estabelecido pela Medida Provisória 579/2012 e que obtiveram ganhos expressivos", diz o voto de José Jorge.
O relatório lembra também que a descontratação das distribuidoras, que as expôs ao mercado de curto prazo e levou aos seguidos aportes na CDE, teve como um de seus motivos a decisão do Ministério de Minas e Energia de cancelar, em 2012, o leilão de energia A-1, para fornecimento no ano seguinte.
Na época, a aposta do governo foi de que a energia das usinas que aderiram à renovação das concessões, vendida no sistema de cotas, daria o lastro necessário às distribuidoras no ano seguinte. Essa aposta, porém, foi frustrada pela adesão parcial das geradoras ao plano de renovação.
Uma das determinações aprovadas nesta quarta-feira pelo TCU é cobrar do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, explicações sobre o cancelamento do leilão A-1 em 2012.
O TCU pede ainda para os ministério de Minas e Energia e da Fazenda regularizarem o pagamento das indenizações aos concessionários que aceitaram renovar as concessões antecipadamente.
O tribunal determinou ainda que o governo federal regularize os repasses da CDE, principalmente os referentes aos gastos da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que subsidia a geração termelétrica nos sistemas isolados da região Norte, "de forma a evitar o colapso de abastecimento da região Norte".
Em seu voto, José Jorge manifesta preocupação com o recente anúncio do um corte de 4 bilhões de reais no orçamento da CDE para este ano, que aumentam "as incertezas a respeito da regularização desses repasses".
O TCU deu prazo de 60 dias para que o Ministério de Minas e Energia informe as providências "efetivamente adotadas".
Procurado, o ministério respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não foi notificado sobre o assunto".
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também disse que ainda não foi notificada, mas afirmou estar à disposição para esclarecimentos ao TCU, se for consultada.