Por Aluísio Alves
SÃO PAULO (Reuters) - As relações entre grandes empresas listadas e auditores externos no Brasil devem azedar, à medida que estes se preparam para seguir a partir de 2017 a prática contábil global de emitir análises mais detalhadas sobre balanços, no momento em que os desdobramentos da operação Lava Jato têm deixado investidores e analistas desconfiados sobre a transparência dos dados corporativos.
Em vez dos tradicionais, breves e protocolares comentários que em geral precedem a recomendação de aprovar um balanço financeiro com ou sem ressalvas, auditores emitirão documentos mais extensos. Os relatórios podem incluir opiniões sobre ágio de negócios adquiridos e até sobre fragilidades de controles internos e a aderência a exigências regulatórias de prevenção contra lavagem de dinheiro, por exemplo.
"Está havendo uma resistência muito grande de empresas auditadas", disse Silvio Takahashi, sócio da EY no Brasil, que começou a fazer um piloto com algumas companhias no ano passado.
E a temperatura dessa relação tende a ser mais quente em particular nos casos de grupos citados na Lava Jato, como companhias da cadeia de óleo e gás e grandes empreiteiras, dizem especialistas.
"Empresas em situação financeira ou operacional frágil são as que poderão ficar mais desconfortáveis em ver novas informações suas se tornarem de conhecimento público", disse o sócio de auditoria da Deloitte Wanderley Olivetti.
A mudança já estava prevista num calendário de aderência a padrões emitidos pelo Comitê Internacional de Padrões de Auditoria (Iaasb, na sigla em inglês), mas o momento da entrada em vigor se dará num ambiente particularmente conflituoso, com as empresas enfrentando um nível de escrutínio para o qual não estão acostumadas.
"Sem dúvida, isso tornará mais difícil a relação entre empresa e auditoria", disse à Reuters o coordenador do Comitê Administrador da Revisão Externa de Qualidade do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Rogério Rokembach. "Ninguém quer ver suas fraquezas exibidas para o público."
Diante da dimensão dos fatos revelados pela Lava Jato, a expectativa de agentes do mercado é que, além do relatório de auditoria mais aprofundado, as próprias companhias e as instituições responsáveis por averiguá-las se vejam na situação de tomarem medidas para tentarem recuperar credibilidade.
O presidente nacional da entidade que representa os analistas de mercado (Apimec), Reginaldo Ferreira Alexandre, defende que as demonstrações financeiras das companhias sejam acompanhadas de um relatório específico dos auditores externos sobre os controles internos das empresas.
"Isso poderia ajudar o mercado a entender melhor a realidade das empresas", disse. Assim como o relatório mais detalhado sobre o balanço trimestral, um outro sobre controles internos aumentaria a pressão sobre os auditores, uma vez que empenhariam seus nomes num conjunto mais aprofundado e extenso de considerações.
FISCALIZAÇÃO DO FISCAL
O escrutínio da CVM sobre a atuação de auditores vem crescendo. Segundo um estudo da USP, de 38 processos abertos pela Comissão de Valores Mobiliários entre 2007 e 2013, 24 foram julgados. Destes, um resultou em advertência, 2 foram absolvidos, outros 12 multados e 9 firmaram termos de compromisso.
Em 2014, o xerife do mercado decidiu avaliar uma amostra de 31 balanços e identificou várias irregularidades, que culminaram em 15 processos e 80 ofícios de alertas.
Em outra frente, o Conselho Federal de Comunicação está investigando o possível envolvimento de auditores em casos de fraudes na esteira da Lava Jato e poderia tomar medidas, disse Rokembach, do CFC.
Aparentemente prevendo o aumento da pressão que vem pela frente, alguns relatórios de auditores já têm pincelado o que vêm por aí. A Ernst & Young tem destacado no balanço da Caixa Econômica Federal a averiguação interna do banco devido à operação "A Origem", uma das fases da Lava Jato.
PricewaterhouseCoopers e KPMG, auditores da Petrobras (SA:PETR4) e da Braskem (SA:BRKM5), respectivamente, enfatizaram em seus relatórios os possíveis efeitos da Lava Jato para as companhias, embora tenham emitido pareceres sem ressalvas para os balanços de 2015.
Consultadas, a PWC e a KPMG não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
Paradoxalmente, apesar da tensão crescente, no curto prazo a pressão sobre as empresas auditadas por mais esforço no combate a fraudes e fragilidades nos controles internos está criando novas oportunidades de negócios para as grandes firmas de auditoria, que têm cerca de metade das receitas oriundas de serviços de consultoria.
"Tem havido maior procura por serviços de auditoria forense, serviço dedicado justamente para identificação preventiva de fraudes", disse o presidente da entidade que representa os auditores independentes, Ibracon, Idésio da Silva Coelho Júnior.