SÃO PAULO (Reuters) - No intervalo do debate presidencial na maior rede de TV aberta do Brasil, a mensagem escrita em uma peça publicitária de poucos segundos da gigante de cosméticos Natura&Co questionou os candidatos sobre os planos para a floresta amazônica, enquanto ao fundo um ruído forte de fogo dava a trilha para um vídeo de uma queimada, vista de perto.
"Candidatos(as), eu perco mais de 350 mil árvores só no tempo desse debate. Será que dessa vez vocês vão falar dos planos para me proteger?", mostrava texto no vídeo.
O avanço do desmatamento na Amazônia é um dos principais pontos de atenção da comunidade internacional em relação ao Brasil, com críticas ao presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro(PL) por causa da maior taxa de devastação da floresta em 15 anos sob sua gestão, com impactos para o clima global.
Ainda que o engajamento de empresas do país no assunto venha aumentando, tomadas de posição mais contundentes como essa ainda são raras, segundo Miguel Scarcello, diretor do SOS Amazônia, ONG que atua há mais de três décadas na proteção da floresta e que teve entre os fundadores o ativista Chico Mendes.
"Não é comum que as empresas exponham (esse posicionamento) de modo tão escancarado, ainda mais no horário nobre", acrescentou Scarcello.
O debate presidencial, que adentrou a madrugada na TV Globo no primeiro turno, registrou a maior audiência de um debate de 1º turno em 16 anos, desde 2006, segundo o canal.
"Achamos importante lembrar a população de que esse é um assunto urgente e que merece mais atenção por parte das pessoas tomadoras de decisões no nosso país", disse à Reuters Agenor Leão, vice-presidente de negócios da Natura (BVMF:NTCO3), por e-mail.
Leão defende que a pauta da conservação da floresta amazônica foi negligenciada na maioria dos debates eleitorais, mas a Natura&Co não quis revelar se repetirá a estratégia publicitária no embate desta sexta-feira na Globo, quando Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terão o último encontro cara a cara antes da votação final de domingo.
Engajamento ambiental
A propaganda que passou na Globo --e já havia passado no debate na CNN Brasil-- é uma peça da Agência África e faz parte de uma campanha maior da Natura, que incluiu uma espécie de "contador" em tempo real das árvores que caíam na floresta, por meio de um painel localizado em Brasília.
O engajamento da Natura&Co --uma holding que engloba as marcas Natura, Avon Internacional, The Body Shop e Aesop-- na pauta, acontece há anos e vem em parte porque a empresa retira matéria-prima da floresta, como frutos e plantas, para elaboração de produtos incluindo óleos e essências.
A publicidade no debate, inclusive, foi também uma porta de entrada para outras iniciativas da companhia na pauta ambiental. A peça exibia uma conta nas redes sociais chamada Amazônia Viva, uma rede de mobilização pró-floresta, que, por sua vez, levava ao link do Plena Mata, uma plataforma de conservação que tem Natura e a organização Mapbiomas entre os realizadores.
É a Plena Mata que abriga iniciativas como o Farol Verde, "que ajuda as pessoas a votarem de maneira consciente pensando na pauta ambiental", explicou a Natura.
O Farol Verde criou um índice de convergência ambiental dos candidatos ao Senado e à Câmara dos Deputados para as eleições deste ano, tendo como referência o voto do líder coordenador da bancada ambientalista. A ideia era que o eleitor pudesse saber o que pensam seus candidatos em torno desses assuntos. Um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), reeeleito deputado outubro, tinha um índice de apenas 13% no Farol Verde, por exemplo.
Se a defesa do meio ambiente não parece ser um assunto arriscado para a estratégia de marketing de uma empresa, ainda mais considerando o perfil da Natura, os reflexos podem ser menos óbvios num país rachado quase entre partes iguais entre Lula e Bolsonaro, que travam uma agressiva campanha eleitoral.
Com o atual presidente na mira das críticas ambientais, a peça publicitária no debate gerou reações negativas na internet, especialmente por parte de defensores do atual mandatário, que viram ali uma crítica velada a Bolsonaro.
À Reuters, Agenor Leão, da Natura, reforçou que a holding é uma empresa apartidária e que se mantém imparcial diante de partidos e candidatos.
Comentários negativos sobre a marca ressurgiram nas redes após dois dos empresários considerados fundadores da Natura&Co, Guilherme Leal e Pedro Passos, declararem, em entrevistas, voto no ex-presidente Lula.
Leal citou a pauta ambiental como um dos motivos. Ele e Passos dividem a presidência do conselho de administração da Natura&Co com Antônio Seabra, outro fundador.
Engajamento com os jovens
Na visão de Marcus Nakagawa, professor e coordenador do centro ESPM de desenvolvimento socioambiental, "dá para entender (da propaganda) que a Natura está entendendo a causa. A empresa não está ligada a um ou outro partido, cada um vai interpretar conforme sua lente de visão política", afirmou ele, destacando outras ações anteriores da companhia.
O professor disse que, em geral, "sempre tem aquela pessoa que vai acabar não escolhendo mais aquela marca" devido ao seu posicionamento, ou seja, pode haver uma parcela de rejeição. Nakagawa frisou, no entanto, que estudos mostram a exigência, especialmente do público mais jovem, de as marcas tomarem posições em questões ambientais e sociais.
Para Scarcello, da SOS Amazônia, a Natura&Co pode estar, de fato, dando um recado, ainda que sem dizer com todas as letras. "Se formos analisar mesmo, quando falamos de região amazônica, da floresta, a gente está considerando que o controle ambiental que tinha que ser feito está tendo alguma falha, seja pelo governo federal, por governo estaduais", disse ele, em referência aos índices de gestão ambiental do atual Governo.
Questionado sobre as críticas, o Palácio do Planalto encaminhou um pedido da Reuters para comentários ao Ministério da Justiça, que disse que está realizando a Operação Guardiões do Bioma desde o ano passado para combater o desmatamento ilegal, os incêndios florestais e proteger as terras indígenas.
O Ministério do Meio Ambiente não respondeu a pedidos de comentários.
(Por Andre Romani)