SÃO PAULO (Reuters) - Martin Scorsese levou quase 30 anos para realizar o sonho de filmar “Silêncio”, uma alentada adaptação do livro do autor japonês Shusaku Endo que lida com temas caros ao diretor, um ex-seminarista, como fé, ambiguidade e autoquestionamento.
Ambientada no século 17, a história gira em torno de três jesuítas portugueses no Japão: Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield), Francisco Garpe (Adam Driver) e o Cristóvão Ferreira (Liam Neeson). Os dois primeiros partem para o Japão em 1640, anos depois de ter sido proibida a entrada de padres católicos no país.
Naquele momento, a prática da religião cristã havia sido proibida e os desobedientes, submetidos a torturas e mesmo à morte.
Rodrigues e Garpe vão em busca do padre Ferreira, que foi seu mestre e de quem não se tem notícias seguras há anos. Boatos dão conta de que ele renunciou à fé, no que não acreditam seus jovens discípulos. Eles entram clandestinamente no Japão, contando com a ajuda de Kichijiro (Yosuke Kubozuka), um cristão relutante diante da fé.
Ambíguo e atuando como uma espécie de Judas, Kichijiro funciona como um pêndulo que faz oscilar o eixo moral de uma história profundamente espiritual, centrada especialmente na crise íntima de Rodrigues --que, diante dos tormentos impostos aos cristãos locais será ele mesmo pressionado para que abra mão de sua fé para salvá-los.
A fotografia do mexicano Rodrigo Prieto --indicada ao Oscar 2017-- traduz com perfeição a miséria das condições de vida dos pescadores e camponeses japoneses que constituem a maioria dos fieis clandestinos.
Não escapa da reflexão afiada do diretor, que assina o roteiro com Jay Cocks, o choque cultural entre europeus portugueses e orientais --que talvez se tornasse ainda mais nítido se fosse falado ao menos um pouco de português, em nome do realismo da história original (detalhe que certamente pode chamar mais a atenção de plateias falantes da língua, como a brasileira).
Se o núcleo central da trama é o conflito interior de Rodrigues com o que ele sente como “o silêncio de Deus” diante de tanto sofrimento de seus seguidores perseguidos, o filme salienta um outro aspecto: a ferocidade da repressão, personificada pelo inquisidor Inoue (Issei Ogata), que procura não somente a rejeição da fé pelos padres, como sua constante sujeição.
A violência, então, não é somente física, mas moral, no enfrentamento entre culturas e religiões diante da tentativa de penetração de um elemento novo ou estrangeiro.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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