Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - A prioridade dada pelo Congresso às discussões sobre a reforma da Previdência tem atrasado a votação na Câmara de um projeto de lei que viabilizaria acordo para encerrar uma longa e bilionária disputa judicial sobre o risco hidrológico na operação de usinas hidrelétricas, o que gera apreensão entre agentes do setor elétrico.
A aprovação da matéria foi colocada pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, como uma das principais bandeiras de sua pasta, que chegou prever uma deliberação ainda nos primeiros trinta dias do ano legislativo, o que não se confirmou.
O sócio da consultoria em relações governamentais Dominium, Marcelo Moraes, disse à Reuters que chegou a esperar que uma reunião de líderes dos partidos nesta semana aprovasse a entrada do projeto na pauta da Câmara para esta semana, o que também não se concretizou.
"Nossa expectativa é que isso possa ser discutido na reunião de líderes da semana que vem. Pelas informações que tenho, já houve conversa entre Executivo e Legislativo e haveria acordo, agora é realmente uma questão de vontade política e de oportunidade", afirmou.
"Mas a reforma da Previdência é a prioridade zero do governo e da Casa, então qualquer coisa que vá atrapalhar isso fica em segundo plano. Espero que esse projeto não entre nisso... É a grande matéria de curto prazo do setor elétrico", acrescentou.
As discussões sobre a proposta começaram ainda durante a gestão Temer, quando ela foi aprovada no Senado. Agora, uma aprovação sem mudanças no Plenário da Câmara já levaria a matéria para sanção presidencial.
O projeto prevê compensar operadores de hidrelétricas por parte das despesas com o risco hidrológico por meio de uma prorrogação dos contratos de concessão das usinas, mas apenas sob a condição de que sejam retiradas ações judiciais com as quais elétricas têm conseguido evitar as cobranças.
O acordo encerraria uma disputa que começou ainda em 2015 e no momento envolve cerca de 7 bilhões de reais.
Por conta das liminares, o processamento de janeiro das liquidações financeiras das operações do mercado de curto prazo de energia, que promove pagamentos e recebimentos entre as empresas do mercado, deixou 7,58 bilhões de reais em aberto, sendo que desse valor 6,97 bilhões devem-se a decisões judiciais que isentam alguns agentes de custos com o chamado risco hidrológico.
"Tem que resolver isso, desatar esse nó. Primeira coisa é resolver esse problema, que o governo até já sinalizou que é prioridade total", disse o presidente do centro de estudos Acende Brasil, Claudio Sales.
Procurado, o ministério de Minas e Energia não comentou de imediato a tramitação do projeto.
Caso a matéria seja aprovada, ainda seria necessário um período de cerca de três a quatro meses para que a lei resultante seja regulamentada em detalhes pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), disse à Reuters o diretor Rodrigo Limp.
"Nosso interesse é fazer isso no menor prazo possível... esse é um dos grandes problemas do setor. Muito tem se discutido reformas estruturais, mas enquanto não resolver essa questão pouco adianta discutir isso", afirmou ele.
OUTROS TEMAS
Além de solucionar a disputa sobre o risco hídrico, o governo tem falado também em conduzir um processo de capitalização da estatal Eletrobras (SA:ELET3) e em promover uma reforma da regulamentação do setor de eletricidade, assuntos que também deverão passar pelo Congresso.
O projeto sobre a Eletrobras deverá ser enviado aos parlamentares em junho, segundo fala recente do ministro Albuquerque.
Sales, do Acende Brasil, disse que o ideal é que o governo não perca o foco em levar adiante também a reforma da regulação, outra discussão que começou no governo Temer, mas travou devido à forte resistência de muitos políticos à proposta de desestatização da Eletrobras.
"É importante que isso (a reforma) ande, e não temos vistos sinais tão claros do governo. Acho que isso é urgente também, o modelo regulatório atual virou uma colcha de retalhos, está insustentável", afirmou.
O projeto de reforma, que já tramita no Congresso, prevê uma liberalização do setor, com abertura gradual para todos consumidores do chamado mercado livre de eletricidade, no qual grandes clientes podem hoje negociar contratos diretamente com geradores e comercializadores.