Por Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Após manifestações de senadores, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), decidiu adiar a votação do projeto da Lei das Fake News para a próxima terça-feira.
O texto chegou a ter sua discussão iniciada nesta quinta-feira, mas ainda enfrentava resistências, dada a complexidade do tema e limitação de tempo para discussão da matéria, que teve sua última versão de parecer protocolada nesta tarde, pouco antes do início da sessão do Senado.
"Atendendo aos senadores e senadoras que, democraticamente, solicitaram mais tempo para a análise do projeto de lei de combate às notícias falsas, determinei o adiamento da deliberação da matéria para a sessão da próxima terça-feira, às 16h, como item único", publicou o presidente do Senado em seu perfil no Twitter.
"O Senado Federal iniciou, hoje, a primeira etapa para enfrentarmos o grave problema das notícias falsas. Ao discutir o assunto, o Parlamento assume sua responsabilidade em busca de mecanismos para que identifiquemos notícias inverídicas, enfrentando seus propagadores", continuou.
Boa parte dos senadores, caso do líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), pediam o adiamento da votação, sob o argumento de terem tido pouco tempo para a análise do texto.
"Nós estamos tratando de uma matéria muito sensível. Está ligada a um direito fundamental expresso na nossa Constituição, que é a liberdade de expressão, mas, por outro lado, isso está muito ligado aos novos setores da economia moderna, das tecnologias que estão surgindo a cada ano", ressaltou Bezerra.
"E uma legislação malfeita, uma legislação que não esteja atenta a essas particularidades poderá nos retirar ou nos impedir de ingressar nesses novos ciclos de desenvolvimento tecnológico que o mundo experimenta", argumentou o líder do governo no Senado.
A última versão do parecer do relator, senador Angelo Coronel (PSD-BA), foi protocolada nesta tarde, pouco antes do início da sessão do Senado, prazo inferior às 24 horas de antecedência combinada na Casa para a apresentação de textos a serem votados. Também apontaram a quantidade de votos paralelos e a dificuldade de discussões devido às restrições de funcionamento do Congresso devido à pandemia do coronavírus, além da complexidade do tema.
Outros, como a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, Simone Tebet (MDB-MS), reconheceram controvérsias no texto, mas alertaram para a necessidade de votação do tema como um primeiro passo a ser dado, ainda passível de correções e revisões no decorrer da tramitação no Congresso Nacional.
Após passar pelo Senado, a proposta ainda segue para a Câmara e, caso seja modificada, hipótese provável, ela ainda terá de ser submetida a uma revisão por parte dos senadores.
"É óbvio que um projeto dessa envergadura não teria como não trazer grandes embates para esta Casa", reconheceu a senadora, durante a sessão.
"Acontece, senhoras e senhores, que o que nós temos aqui é uma urgência. Nós estamos diante de fake news que, num momento de pandemia, está disseminando inverdades, com discursos totalmente equivocados, fazendo inclusive pessoas correrem risco de vida por conta do coronavírus", lembrou, acrescentando que a proposta tem a intenção de combater formas virtuais de bullying, injúria racial, calúnias e vingança pornográfica.
"Se nós deixarmos para depois... Lembro que esse projeto ainda vai para a Câmara, vai sofrer adequações. Vai haver mais de mês para ser debatido lá, 20 dias, e para termos audiências públicas lá. Depois, nós teremos a palavra final", ponderou.
ALTERAÇÕES E POLÊMICAS
No parecer protocolado nesta quinta, Coronel promoveu algumas mudanças. Retirou, por exemplo, os dispositivos relacionados à propaganda eleitoral. Também inseriu conceito de "contas inautênticas", criadas ou usadas com o propósito de disseminar desinformação ou assumir identidade de terceira pessoa para enganar o público.
Mas pontos mais polêmicos, como as regras para identificação de usuários, e a possibilidade de acesso remoto a bancos de dados de usuários brasileiros, sem a necessidade de localização física no país, ainda são alvos de críticas por parte de alguns setores, principalmente os ligados a provedores de redes sociais e serviços de mensagens.
Para eles, as mudanças ferem normas internacionais de proteção de dados e privacidade. A exigência de validação de cadastros por meio das operadoras de telefonia podem gerar empecilhos à inclusão digital, já que há usuários que não possuem ou compartilham números de telefone com familiares, por exemplo.
Pelo texto, segundo assessoria do senador, "as redes sociais deverão criar mecanismos de identificação dos usuários que permitam atender ordem judicial". A versão do parecer mantém a exigência de identificação de robôs e conteúdos impulsionados como tais.
Os provedores terão ainda que requerer confirmação por meio de documento de identificação de usuários e responsáveis por contas em casos de denúncias, de "fundada dúvida" ou mediante ordem judicial.
Versão anterior exigia documentação dos usuários em geral, assunto identificado em nota técnica do Ministério Público Federal (MPF) como uma das "mudanças que merecem análise com cautela", com "inúmeros obstáculos de ordem jurídica e prática".
Outro ponto polêmico, que segundo o setor de provedores, pode trazer uma vulnerabilidade indesejada em termos de proteção de dados diz respeito à disponibilização de banco de dados, ainda que remota, de usuários brasileiros.
"A ideia não é colocar amarras nas redes sociais e serviços de comunicação, mas sim possibilitar à Justiça o devido acesso aos dados, conforme já previsto no marco civil da internet. Isso porque o Acordo de Assistência Judiciário-Penal firmado entre o Brasil e os Estados Unidos tem tido resultados insatisfatórios, com longo período para recebimento de respostas e baixo atendimento dos pedidos realizados pelas autoridades brasileiras", argumenta Coronel, no parecer.
A obrigatoriedade, em versão anterior do parecer , de provedores manterem bancos de dados fisicamente no Brasil, "contraria previsões do Marco Civil da Internet, da Lei Geral de Proteção de Dados e de normas internacionais", segundo o MPF.
Outro alvo de críticas diz respeito à criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, formado por representantes do Congresso, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), além de integrantes do Comitê Gestor da Internet no Brasil, da sociedade civil, dos provedores de acesso, aplicações e conteúdo da internet e ainda dos setores de comunicação social e de telecomunicações.
O conselho terá, entre outras atribuições, a tarefa de certificar instituições de autorregulação a serem criadas por provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada para intensificar a transparência e a responsabilidade no uso da internet. Essa instituição poderá encaminhar ao conselho relatórios trimestrais e informações sobre políticas de uso e de monitoramento de volume de conteúdo compartilhado pelos usuários dos serviços de mensageria privada.
Segundo críticos, o problema não está na atividade de recomendação do conselho, mas nos demais poderes atribuídos a ele, que seriam semelhantes a prerrogativas judiciais.