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ANÁLISE Âncora fiscal do país, teto de gastos é bomba relógio para governo Bolsonaro

Publicado 24.06.2020, 11:55
© Reuters. .
SANB11
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Por Isabel Versiani e Marcela Ayres

BRASÍLIA (Reuters) - Apontada pela equipe econômica como a principal âncora fiscal do país, a regra constitucional do teto de gastos tem risco elevado de ser descumprida neste governo, possivelmente já em 2021, em meio à alta consistente das despesas em ritmo superior ao avanço dos preços na economia, mesmo com cortes draconianos em investimentos e em outros gastos.

Economistas de dentro e fora do governo apontam que o atendimento do teto, que limita o crescimento das despesas totais do governo federal à variação da inflação do ano anterior até 2026, demandaria a aprovação urgente de reformas de redução de gastos obrigatórios, o que pode se provar especialmente desafiador diante da crise econômica sem precedentes.

"O risco de descumprir o teto  --mesmo que não seja ano que vem, mas a gente acha que no ano que vem o risco é alto-- é iminente. Esse é o quadro, e falta sinalização clara do governo do que fazer em relação às metas fiscais", afirma Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI). "Operar no fio da navalha é muito preocupante."

A IFI calculou que o limite para os gastos será de 1,483 trilhão de reais em 2021, apenas um pouco acima das despesas de execução mínima obrigatória. Com isso, a margem fiscal para acomodar despesas discricionárias será de só 72 bilhões de reais, estima o IFI, sendo que para manter o funcionamento da máquina pública seriam necessários no mínimo 90 bilhões de reais.

A economista-chefe do Santander Brasil (SA:SANB11) e ex-secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, avalia que o teto é viável em 2021 desde que mantidas as condições propostas pelo governo no envio do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, sem realização de concursos públicos ou criação de novas despesas obrigatórias.

Para 2022, o cenário já ficaria "muito ajustado", o que demandará medidas mais "ousadas", disse ela, citando a necessidade de reformas para que ao longo do tempo as despesas de pessoal passem por ampla reestruturação e para que haja otimização de programas sociais. Focados nos mais vulneráveis, idealmente devem tornar-se menos representativos no Orçamento à medida que a economia for se recuperando.

"Temos uma conta que a gente precisa reduzir, em termos de despesas, aproximadamente 130 bilhões de reais de forma acumulada até 2026 para que a gente possa conviver com o teto", disse ela.

O teto dos gastos foi aprovado em dezembro de 2016, no governo Michel Temer, em um esforço para sinalizar o compromisso de longo prazo do país com o equilíbrio fiscal em meio a déficits primários elevados.

Este ano, diante da disparada das despesas e da dívida pública, o Ministério da Economia e o Banco Central têm reforçado a importância de se ater à regra. Na semana passada, o diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra, frisou que a emenda do teto é “crucial”, inclusive para a política monetária.

Com a pandemia de coronavírus, contudo, o governo tem enfrentado pressão para estender gastos sociais em meio à expectativa de forte ressaca em 2021 pela derrocada expressiva da economia neste ano. As despesas para o enfrentamento da crise este ano, que já superam 400 bilhões de reais, não afetam o limite do teto porque foram cobertas com créditos extraordinários, mas há demandas para que parte dos gastos seja mantida.

Quanto às reformas, integrantes da equipe econômica têm feito acenos a medidas para impulsionar a criação de vagas de trabalho, simplificar a estrutura tributária e modernizar marcos regulatórios para atração de investimentos. Mas essas linhas não mudam fundamentalmente a dinâmica das despesas.

Ecoando a falta de planos concretos no curto prazo para controle dos gastos, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que a reforma administrativa "com toda certeza" fica para o ano que vem. Bolsonaro, que tem entre sua base cativa de apoio categorias do funcionalismo, disse ainda que será necessário fazer "bom trabalho de mídia" para tanto, indicando que o tema não deve ser abordado tão cedo.

A expectativa oficial do Ministério da Economia é que a dívida bruta do país chegará a 93,5% do PIB este ano, depois de fechar 2019 em 75,8% do PIB.

ENTRE A CRUZ E A ESPADA

Para Alessandra Ribeiro, diretora de Macroeconomia da consultoria Tendências, o melhor que o Executivo tem a fazer é centrar esforços na aprovação da chamada PEC Emergencial -que autoriza o governo a reduzir jornada de trabalho e salários de servidores, entre outros ajustes, quando descumprir outra norma fiscal, a que o proíbe de se endividar para cobrir gastos correntes.

O projeto foi encaminhado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Congresso em novembro, mas, com o surto de Covid-19, a proposta ainda não avançou.

Para Ribeiro, a PEC daria algum fôlego para o governo, que depois poderia trabalhar por reformas mais abrangentes para a redução de gastos obrigatórios. Ela destaca que, diante do cenário de graves dificuldades econômicas que pode alimentar pressões pela perenização de parte dos gastos emergenciais, o governo está hoje "entre a cruz e a espada".

"Ou ele faz reforma e contingencia, ou deixa estourar o teto e paga o preço, ou flexibiliza o teto, o que também é um tiro no pé", afirmou.

A regra do teto estabelece que, em caso de descumprimento dos limites estabelecidos pelo dispositivo constitucional, uma série de vedações passa a ser imposta até o retorno das despesas aos respectivos limites. Entram nesse grupo proibição para aumento salarial ao funcionalismo, realização de concursos públicos e criação de despesa obrigatória.

No entanto, a equipe econômica avalia que o modelo não prevê exatamente como esse descumprimento é medido para que os gatilhos sejam acionados.

O economista Bráulio Borges, pesquisador sênior associado do FGV-IBRE, é um crítico da formatação do teto de gastos e entende que precisa ser flexibilizada. Uma mudança desejável, segundo ele, seria a adoção de regras diferenciadas para o crescimento dos limites de gastos com investimentos e, por exemplo, com salários de servidores.

Mas Borges adverte que as mudanças só poderiam começar a valer a partir de 2023, de forma a evitar que a discussão seja contaminada pela proximidade de eleições, quando tradicionalmente há pressão por aumento de despesas.

"Debater uma mudança no teto é mais do que necessário porque o teto não se sustenta, mesmo com várias reformas", afirma. "Mas mudar a regra do jogo com o jogo andando, e já sob a influência do ciclo político eleitoral e com um governo cada vez mais fraco, desesperado para tentar aumentar um pouco sua popularidade...agora representa um risco fiscal ainda maior."

IMPLOSÃO

Uma fonte da equipe econômica reconheceu que, sem reformas que envolvam corte nos gastos obrigatórios, a regra do teto é uma bomba relógio no colo do governo.

"A implosão do teto está bem perto se nada for feito. Se não for em 2021, possivelmente em 2022", afirmou a fonte, em condição de anonimato. "O problema é que nada é feito desde a reforma da Previdência. E não há expectativa de que algo seja feito em 2020/2021 em relação às despesas obrigatórias."

O secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, afirmou que não há risco de o teto ser descumprido no ano que vem, e que isso está sendo acompanhado de perto tanto pela Secretaria de Orçamento Federal quanto pelo Tesouro.

"É claro que a situação fiscal é delicada, mas a permanência do teto de gastos é garantida", afirmou ele, reiterando que este é o pilar macrofiscal de sustentação econômica.

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"Esse governo está firmemente comprometido a tomar as medidas necessárias para manter esse pilar", completou.

Um documento encaminhado pelo governo ao Senado em março, no entanto, evidencia o desafio à frente.

Atendendo a um pedido de esclarecimentos do senador José Serra (PSDB-SP) acerca das propostas fiscais defendidas pelo governo em tramitação no Senado, Guedes apresentou nota técnica em que prevê que, mesmo com a aprovação da PEC Emergencial, o teto só será cumprido até 2026 com uma redução expressiva dos investimentos, que somariam apenas 13,7 bilhões de reais no último ano do mecanismo.

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