Por Olena Harmash
KIEV (Reuters) - Com a guerra se arrastando, alguns dos milhões de refugiados da Ucrânia estão começando a pensar em se estabelecer para sempre nos países em que se encontram em toda a Europa, representando um desafio para a reconstrução da economia quando as armas finalmente silenciarem.
Natalka Korzh, de 52 anos, diretora de TV e mãe de dois filhos, deixou para trás uma casa dos sonhos recém-construída quando escapou dos foguetes que caíram sobre Kiev nos primeiros dias da guerra. Ela está em Portugal e não planeja arrumar as malas novamente, mesmo quando a luta terminar na Ucrânia.
“Agora, aos 52 anos, tenho de começar do zero”, disse Korzh, que quer abrir uma instituição de caridade em Portugal para ajudar outros imigrantes na cidade de Lagoa, que agora chama de lar.
Estudos da agência de refugiados das Nações Unidas, Acnur, mostram que a grande maioria dos ucranianos deslocados deseja retornar um dia, mas apenas cerca de um em cada dez planeja fazê-lo em breve. Em crises anteriores de refugiados, por exemplo na Síria, o desejo dos refugiados de voltar para casa diminuiu com o tempo, mostram estudos da Acnur.
A Reuters conversou com quatro chefes de empresas que disseram estar lidando com a probabilidade de que muitos refugiados não retornem e que a força de trabalho continue diminuindo nos próximos anos, uma situação que também preocupa demógrafos e o governo.
Volodymyr Kostiuk, CEO da Farmak, uma das principais empresas farmacêuticas da Ucrânia, com quase 3.000 funcionários e mais de 7 bilhões de hryvnias (200 milhões de dólares) em receita no ano anterior à guerra, disse que com tantas pessoas no exterior, deslocadas na Ucrânia ou convocadas para as Forças Armadas, ele está enfrentando uma escassez de trabalhadores de laboratório qualificados e especialistas em produção.
"Precisamos tentar de alguma forma devolvê-los à Ucrânia, porque já vemos que quanto mais tempo as pessoas ficam no exterior, menos querem voltar", afirmou Kostiuk, cuja empresa transferiu seu laboratório de pesquisa e funcionários para Kiev.
Uma pesquisa com cerca de 500 empresas na Ucrânia realizada pelo ucraniano Instituto de Pesquisa Econômica e Estudos Políticos mostrou que um terço vê a escassez de pessoal como um desafio importante.
Homens em idade de recrutamento são impedidos de deixar a Ucrânia, então mulheres em idade de trabalhar e crianças constituem a maioria dos refugiados.
Embora fazendas e fábricas tenham perdido trabalhadores para as Forças Armadas, a escassez de mão de obra é especialmente aguda em indústrias que exigem níveis mais altos de educação e treinamento, porque as jovens instruídas estão entre as que mais provavelmente deixaram o país desde o início da guerra em fevereiro de 2022.
Dois terços das mulheres que buscaram refúgio em outros lugares da Europa têm ensino superior, de acordo com pesquisa publicada em março pelo órgão de estudos ucraniano Centro de Estratégia Econômica.
Não é apenas uma falta de mão de obra, uma força de trabalho encolhendo também prejudica a demanda do consumidor a longo prazo.
O Fozzy Group, que opera as principais redes de supermercados, reabriu lojas em áreas ao redor de Kiev após a retirada da Rússia da região nos primeiros meses de conflito. Mas o movimento ainda é baixo, disse Dmytro Tsygankov, diretor do Fozzy encarregado de novas linhas de produtos.
“Não podemos falar em recuperação quando temos vários milhões de pessoas que simplesmente não compram nada: não estão no país”, declarou Tsygankov.
Ele disse que as visitas de clientes aumentaram em maio em relação ao ano passado, mas ainda 16% abaixo de maio de 2021, antes da invasão.
O problema populacional da Ucrânia vai além de milhões de refugiados. Uma alta proporção de cidadãos é idosa, e acredita-se que a taxa de fertilidade do país, já uma das mais baixas do mundo, tenha caído de 0,9 para 0,7 desde o início da guerra, disse Ella Libanova, uma das demógrafas mais respeitadas do país, da Academia Nacional de Ciências.
Um milhão de pessoas estão lutando contra os russos, outros milhões vivem em território tomado por Moscou ou foram deslocados para a Rússia. O governo ucraniano não divulga o número de vítimas, mas em abril informações vazadas da inteligência dos Estados Unidos apontavam que 15.000 homens em idade produtiva foram mortos ou feridos. Muitos mais estão feridos.
Libanova também alertou que, uma vez suspensas as restrições do tempo de guerra aos homens que deixam o país, muitos poderiam juntar-se a famílias no exterior.
"Um grande risco é que os homens saiam", disse ela. “Vamos perder gente jovem, qualificada, empreendedora, educada. Esse é o problema”.
(Reportagem adicional de Corina Rodriguez em Madrid e Catarina Demony em Lisboa)