SÃO PAULO (Reuters) - Florence Foster Jenkins (1868-1944) foi uma figura peculiar. Dona de uma grande fortuna e nenhum talento para o canto lírico, passou boa parte da vida se enganando, sentindo-se como uma soprano. A culpa, no entanto, não era apenas dela: amigos, músicos e artistas não tinham coragem de contar-lhe a verdade – especialmente porque podiam aproveitar-se de seu dinheiro e contatos.
A vida da norte-americana serviu de inspiração para o longa francês “Marguerite” (em cartaz no país), e agora também para “Florence: Quem é essa Mulher?”, de Stephen Frears (“A Rainha”), que traz Meryl Streep no papel principal. A grande diferença entre os dois filmes está especialmente no tom. O primeiro tende para o lado trágico, enquanto este, mais para o cômico – embora existam doses de tragédia e comédia em ambos.
Florence, de certa forma, também se aproveitava das pessoas influentes – especialmente relacionados à música – que circulavam à barra de sua saia, para, por meio de seus nomes, conseguir marcar recitais e reservar teatros prestigiosos para suas apresentações desastrosas, embora ela não visse as coisas por esse prisma.
O roteiro de Nicholas Martin tem como um dos fios condutores a improvável relação da protagonista com seu marido, St Clair Bayfield (Hugh Grant), um ator sem talento que faz pequenos monólogos antes dos recitais da mulher, mas que mantém uma relação amorosa com uma jovem atriz boêmia, Katheleen (Rebecca Ferguson), passando as noites em seu apartamento. Tudo funciona numa espécie de acordo tácito entre ele e Florence, que aliás, contraiu sífilis em seu primeiro casamento e, pelo resto da vida, padeceu com dores e males diversos.
Esse mundo de ricos com arranjos sociais peculiares é visto pelo prisma de Cosmé McMoon (Simon Helberg, da série “The Big Bang Theory”), um jovem pianista que consegue emprego para acompanhar Florence em suas desastrosas aulas de canto, e, mais tarde, em sua grande apresentação em público.
Há um humor – especialmente pela falta de noção da protagonista – mas também uma melancolia muito grande em “Florence”. O filme tem um grande carinho pela personagem, que, facilmente, cai no ridículo sozinha. Mas Frears nunca a ridiculariza – ele não a poupa de si mesma (até porque nem haveria como), mas também não exagera em seu retrato para algum efeito de humor. Pelo contrário, o que fica, ao final, é a profunda tristeza de uma sociedade que vive de aparências, especialmente quando se tem dinheiro para as comprar e manter.
“Florence” é também um filme sobre o sonho americano, sobre a capacidade de se reinventar, desde que se possa pagar o preço. A protagonista e o marido convidam o pianista para o seu universo. Se no começo ele estranha, com o tempo percebe o quão vantajoso pode ser para ele fazer o jogo de aparências do casal. Mas, mais do que isso, ao seu modo, aquela redoma de vidro em que vivem é um pequeno mundo feliz.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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