SÃO PAULO (Reuters) - A partir de um tratamento sóbrio, mas sempre estimulante, o diretor britânico Andrew Haigh extrai incansavelmente novas camadas do retrato de um relacionamento maduro no drama "45 Anos".
Com muito mérito, foram premiadas como as melhores interpretações do mais recente Festival de Berlim os veteranos atores ingleses Charlotte Rampling, 69 anos, e Tom Courtenay, de 78. Um dos grandes prazeres de assistir ao filme é presenciar como eles encarnam o dilacerante confronto de um velho casal, Kate e Geoff Mercer, na semana em que completam 45 anos de vida juntos.
Num tom sutil, o diretor leva os espectadores a compartilhar a rotina terna deste par, que se prepara para a festa destas mais de quatro décadas de convivência. A casa confortável no campo, os passeios de Kate com o cachorro, as refeições a dois, a leitura ou a assistência à televisão juntos transmite a sensação de entrosamento e paz conquistada depois de todo esse tempo. Mas a tranquilidade é abalada pela chegada de uma carta.
Detalhes desconhecidos do passado de Geoff vêm à tona quando ele é avisado da descoberta, nos alpes suíços, do corpo de sua antiga namorada, Katya, que desaparecera nas montanhas cobertas de neve, há mais de 50 anos. Sua existência não era segredo para Kate, certamente. Mas nem tudo que a envolvia foi compartilhado por Geoff antes de se casarem.
É visível que a reaparição deste fantasma penosamente esquecido abala muito Geoff, que parece ter batido num iceberg em alto-mar e estar à deriva. A habitual segurança da contida Kate igualmente vai cedendo, como se ela também estivesse sendo lançada para longe da terra firme pelas revelações sobre a mulher morta. Morta, mas ao que parece, nunca sepultada.
O tema em si, extraído de um conto de David Constantine, não é raro ou incomum. O que torna o filme peculiar é a maneira como este episódio vai sendo desvendado e vivido, de formas distintas, pelo casal até então tão unido na crença de conhecer completamente um ao outro. Até mesmo a franqueza, nada sutil, de Geoff para responder às crescentes dúvidas de Kate sobre esse passado acabam tornando-se um veneno sutil, que corroi sua habitual racionalidade. A dama de aço fraqueja e se agita. Mas, apesar de tudo, a festa está marcada e cabe a ela completar os preparativos.
É singular e muito eficiente a maneira como o diretor se mostra capaz de envolver o espectador neste embate surdo entre os dois, neste tumulto interior não totalmente compartilhado. Afinal, todo mundo tem ou teve alguma vivência de relacionamento. Outro êxito é que a idade dos personagens é realmente um detalhe. Uma situação parecida poderia abalar outro casal, de outra idade, até dois parceiros do mesmo sexo, com a mesma intensidade. É de sentimentos que o filme fala, tocando profundamente.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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