SÃO PAULO (Reuters) - "Meu Deus! Um minuto inteiro de felicidade! Afinal, não basta isso para encher a vida inteira de um homem?..."
É assim que Fiódor Dostoiévski encerra "Noites Brancas" (1848), seu conto sobre dois solitários que conversam durante quatro noites sobre o vazio de suas vidas e a eterna busca para preencher este espaço com amor.
A estrutura deste clássico russo com seus longos diálogos propicia sua adaptação para os palcos – já foram várias as peças teatrais inspiradas no livro –, mas a história também migrou para a TV e o cinema, incluindo uma versão brasileira no especial da Rede Globo em 1973 e "Um Rosto na Noite", o filme de Luchino Visconti, com Marcello Mastroianni e Maria Schell, que levou o Leão de Prata do Festival de Veneza em 1957.
O mais novo longa baseado nas linhas do escritor é "Noites Brancas no Píer" (2014), que apresenta um olhar minimalista do francês Paul Vecchiali sobre a obra.
Aqui, o protagonista, chamado apenas de "Sonhador" no conto, ganha nome: Fiódor (Pascal Cervo), que, segundo o próprio, ganhou esta alcunha porque sua mãe, já morta, era fã de Dostoiévski.
Uma clara homenagem ao autor que criou, com o personagem, um alter ego para si e para todos os leitores. Um homem amargurado pela vida que não consegue se relacionar com mulheres, até conhecer Nástienka, chamada de Natasha (Astrid Adverbe) no filme.
O professor Fiódor está em seu ano sabático e, em vez de viajar, estudar ou aproveitar este tempo de outra maneira, pretende resolver suas crises indo todas as noites ao cais de sua cidade para pensar.
Lá ele conhece Natasha, que espera no píer pela volta prometida de seu amado. A solitária moça conta que se apaixonou pelo inquilino que se instalara na casa de sua avó, que a criara desde pequena, mas o rapaz precisou ir embora e lhe disse que voltaria em um ano e a encontraria naquele porto. Por isso, ela vai durante noites seguidas ao local e acaba discutindo sua situação com seu colega notívago.
Vecchiali, que aparece brevemente na primeira cena avisando o protagonista de que não teria as mesmas convicções para sempre, fundamenta seu filme na força da palavra e o estrutura de maneira bem teatral.
Porém, por trás de uma mise-en-scène simplista, o diretor de "Femmes Femmes" (1974) investe em simples ferramentas cinematográficas para ampliar significados em uma produção de baixíssimo orçamento.
Os planos fixos representam a imobilidade na vida dos personagens, que procuram sair desta letargia através do amor; sob a luz do poste ou do farol, cada um deles sai da penumbra onde o outro – e tudo – se encontra para revelar seus sentimentos recônditos, em longas conversas que iluminam dúvidas tão comuns a todos.
Neste sentido, o cineasta já avisa na epígrafe "a escuridão será luz" a sua opção em não reproduzir ou recriar as "noites brancas" originais do livro. Na história, que se passa em São Petersburgo, o cenário onírico é criado por um fenômeno comum em algumas regiões europeias, quando o sol se põe, mas, por estar ligeiramente abaixo da linha do horizonte, ainda ilumina o céu local.
Em "Um Rosto na Noite", Visconti também preferiu a paisagem noturna tradicional, mas cria um alvo amanhecer na neve justamente no final para remeter à ideia inicial e genial de Dostoiévski.
Fisicamente considerada a soma de todas as cores, o branco representa, para a psicologia, a solidão. Entretanto, além de metáfora para o vazio que preenche estes personagens, a excepcionalidade das noites brancas serviria para trazer luz a pensamentos que as pessoas preferem esconder e que são revelados nos diálogos diretos e não naturalistas do autor russo e/ou do roteirista francês sobre algo tão naturalmente humano.
De um surrealismo hermético, o exercício cinematográfico de Vecchiali sobre o amor pode acabar afastando parte do público. Outros conseguirão identificar, em maior ou menor grau, suas próprias confissões nestes dois amantes desencontrados.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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