SÃO PAULO (Reuters) - Já a partir do trailer de “Caça-Fantasmas”, o remake da franquia cômica sobrenatural criada em 1984, muitos fãs reclamaram – não só do trailer, considerado fraco, como da mudança essencial da nova versão, com todas as protagonistas femininas.
Antes de tudo, o bom senso recomenda assistir primeiro ao novo filme para tirar conclusões sobre a atualização da franquia – o que leva à constatação de que, embora mais inovador em sua proposta do que em sua estrutura, o novo trabalho de Paul Feig mantém o espírito da série de Ivan Reitman em um clássico entretenimento de férias.
Após um básico prólogo fantasmagórico, o público é apresentado às novas personagens, como Erin Gilbert (Kristen Wiig, que trabalhou com o diretor em “Missão Madrinha de Casamento”), que se apavora quando descobre que voltou a circular um livro sobre a existência de fantasmas, que publicara há muito tempo com a então amiga Abby Yates (Melissa McCarthy, habitué nos filmes dele, como “A Espiã Que Sabia de Menos”). Doutora em física, Erin teme que o livro sobre este tema derrube sua ambição de conseguir um cargo permanente, na universidade onde é professora.
Ao reencontrar Abby, Erin se envolve, a contragosto, em uma investigação sobre uma série de aparições fantasmagóricas em Nova York, junto com ela e a atual parceira de pesquisa de Abby, a engenheira Jillian Holtzmann (Kate McKinnon, do “Saturday Night Live”).
No meio do caminho, que, mesmo semelhante ao da história original, difere nos passos que percorrem até se encontrarem como equipe e no fato de o vilão ser um humano (Neil Casey), rejeitado assim como as protagonistas, elas conhecem a funcionária do metrô Patty Tolan (Leslie Jones, também do humorístico norte-americano, em seu primeiro papel de destaque).
Com seu conhecimento sobre a cidade, Patty junta-se ao time das caça-fantasmas, embora rejeitem este título no início.
Paul Feig, que já mostrou, em “As Bem-Armadas” (2013) e outros trabalhos que o protagonismo feminino na comédia, também misturada com ação, dá certo, tem a seu favor aqui um elenco afiado, repetindo a química especial que ligava Bill Murray, Dan Aykroyd, Harold Ramis e Ernie Hudson três décadas atrás.
Kristen faz uma boa parceria com Melissa, mas são suas colegas de Saturday Night Live, programa do qual também fez parte até 2014, quem roubam a cena ao lado de Chris Hemsworth, que se despe da imagem do super-heroi Thor para encarnar o belo e estúpido secretário Kevin – a entrevista de emprego dele é hilária e mostra o timing cômico do ator ao não se levar a sério.
Se Leslie supera o estereótipo da sua personagem de “negra atrevida”, Kate se destaca com a loucura de Holtzmann e o empenho em construir novas armas.
Porém, o fã não precisa se preocupar, pois há, junto a várias citações de filmes, inúmeras referências ao original, que vão desde o icônico veículo Ecto-1 à música-tema de Ray Parker Jr., executada na forma clássica e também na versão repaginada por Fall Out Boy e Missy Elliot. Além disso, com exceção do falecido Harold Ramis, a quem a nova produção é dedicada, e do aposentado Rick Moranis, o elenco principal original faz rápidas participações – para ver todas, fique até o final dos créditos –, encarnando outros personagens, já que se trata de um reinício.
Na realidade, ao repetir o erro comum desta atual leva de sequências e reboots nostálgicas, a homenagem se torna exagerada em certos momentos, impedindo que o roteiro de Feig e Katie Dippold siga seu novo enredo, cujo argumento é melhor do que o de “Caça-Fantasmas 2”.
A bem da verdade, para quem não tem memória afetiva da franquia, e que ao ver ou rever as películas anteriores poderá achá-las datadas, o novo longa pode ser mais engraçado e assustador, especialmente para as crianças que o assistirem em 3D. O uso da tecnologia no estilo mais histriônico, com elementos sendo “jogados” para fora da tela, combina com o tom da obra, na qual os efeitos especiais, mesmo que adaptados aos avanços do CGI atual, continuam com o colorido de antes. Só que o diretor, estreante em blockbusters, se encanta com este mundo mágico e exagera no “apocalipse fantasma”, no espalhafatoso e arrastado terceiro ato.
Esse é o trecho mais problemático do roteiro, que se entrega a clichês, às vezes de propósito, mas em outros momentos, como este, sem tato. Só que Feig e Dippold, também roteirista de “As Bem-Armadas” e da série “Parks and Recreations”, já nos envolveram antes com suas cativantes personagens e suas dificuldades para lidar neste novo trabalho – os diálogos soam mais científicos e há um cuidado em mostrar a criação de certos gadgets – para deixar um saldo positivo de diversão.
No entanto, é na forma como o texto cutuca, aqui e ali, os detratores do filme, com a trajetória das personagens se confundindo com a da produção, redefinindo como o papel da mulher deve ser visto na sociedade e em Hollywood, sem ser ostensivo, que (As) “Caça-Fantasmas” acerta em cheio, fazendo alguns morderem a língua.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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