SÃO PAULO (Reuters) - Em seu segundo longa de ficção, "Boi Neon", o pernambucano Gabriel Mascaro ("Doméstica") não se distancia do tom observador, que beira um documentário, de seu primeiro trabalho no gênero, "Ventos de Agosto". Com uma câmera sóbria, seu estudo de personagem desafia estereótipos de gênero, criando figuras que marcam mais por suas opções do que o arco dramático de cada uma delas.
Em "Ventos de Agosto", Mascaro acompanhava a vida numa comunidade à beira-mar, o passar dos dias e a limitação da vida, consumida por uma espécie de tédio existencial. Este novo trabalho, nesse sentido, não é muito diferente. "Boi Neon" segue um grupo de vaqueiros na estrada, trabalhando em vaquejadas, tratando do transporte e alimentação dos bois.
Seus personagens, no entanto, não estão no centro de tal acontecimento. Não são, enfim, as estrelas, mas, sim, a classe que não recebe os holofotes, mas tem que ser ativa nos bastidores para o espetáculo acontecer.
Iremar (Juliano Cazarré) tem um cotidiano duro, sendo responsável pela condução e limpeza dos animais. Seus momentos de mais alegria e liberdade são, porém, quando desenha e costura figurinos exóticos para shows um tanto bizarros de sua colega, Galega (Maeve Jinkings), que faz dança sensuais usando uma máscara de cavalo. Fora isso, ela cuida da filha pequena, Cacá (Alyne Santana), e dirige o caminhão que transporta os bois e os vaqueiros de cidade em cidade.
Talvez por sua experiência no documental, Mascaro não constrói uma narrativa clássica – para o bem e para o mal. A tensão surge de uma faísca, não existe aquela acumulação de pequenas frustrações e uma explosão final.
Ao contrário, ele prefere cataclismos – pequenos e grandes – espalhados ao longo do filme, trazendo um tom realista para o trabalho. O mesmo vale para os momentos de sexo, embora exista uma ansiedade sexual percorrendo toda a história.
Premiado no Festival de Veneza e do Rio – neste, como melhor filme, roteiro, atriz coadjuvante (a jovem Alyne) e fotografia, para Diego García –, "Boi Neon" se concentra no presente desses personagens. Praticamente nada sabemos de seu passado – exceto que Cacá procura uma figura paterna, que parece encontrar em Iremar, embora, às vezes, ele pareça mais imaturo do que a menina.
Mascaro se interessa no aqui e agora dessas figuras – que inclui também outros dois colegas, interpretados por Carlos Pessoa e Vinícius de Oliveira (que quase 20 anos atrás ficou famoso como o menino de "Central do Brasil").
Isso vai ao encontro exatamente da aceitação de cada personagem como eles mesmo são. Não há questionamentos de sua masculinidade ou feminilidade. A naturalidade com que essas pessoas desafiam estereótipos e lidam com seus corpos sugere uma sociedade alternativa, mais livre, longe da rigidez do mundo em que elas habitam.
Ao mesmo tempo, vivendo numa espécie de margem, essas pessoas necessitam umas das outras para se manterem inteiras. É como se cada um fosse juntando e guardando os pedaços dos outros, e coletivamente enfrentassem a estrada.
Uma cena, então, resume bem todo o espírito do filme: Iremar caminha por um terreno pantanoso, afundando os pés e as pernas cada vez mais, para alcançar partes de manequins que foram descartados. Estes, seus novos amigos.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb OLBRENT Reuters Brazil Online Report Entertainment News 20160113T220846+0000