SÃO PAULO (Reuters) - Vencedora do prêmio de melhor atriz no Festival de Locarno, Ariane Labed é a força viva de “A Odisseia de Alice”, em que a também atriz Lucie Borleteau faz uma promissora estreia na direção de longas.
No filme, cruzam-se temas e gêneros com muita fluidez, compondo um painel matizado da vida de uma jovem mulher. Aos 30 anos, Alice (Ariane), uma engenheira especializada em mecânica naval, vive uma paixão com um desenhista de quadrinhos norueguês, Félix (Anders Danielsen Lie). Os dias de amor intensos sofrem uma interrupção quando Alice é chamada para uma missão a bordo de um velho navio, Fidélio.
Como o título do filme, que remete à “Odisséia” de Homero – ainda mais que Ariane Labed é grega também -, o nome do navio é proposital. Na ópera homônima de Beethoven, estreada em 1805, uma mulher, Leonore, disfarça-se de homem para penetrar numa prisão, em busca do marido desaparecido.
A bordo do Fidélio, Alice é mais um marinheiro de uma tripulação inteiramente masculina. Figura miúda e aparentemente andrógina, ela explode de sensualidade dentro de um macacão azul de mecânico para exercer sua tarefa, o que, aliás, ela faz com facilidade e talento. Como ela vive em época diferente da ópera, o macacão não é disfarce, mas complemento natural de sua iniciativa e disposição para a ação e a vida.
No navio, ela reencontra um antigo amor, o comandante Gael (Melvil Poupaud). A antiga paixão vem à tona e divide os sentimentos de Alice, que continua ligada a Félix.
O diário de um marinheiro morto, cujos aposentos ela passa a ocupar, fornece outro fio condutor a uma jornada existencial em que se misturam experiências, sensações, dúvidas e decisões adultas.
É admirável a sutileza com que a diretora e roteirista amarra estas várias camadas da história, em que a sensualidade aguda de Alice ocupa o centro. É a jornada de uma jovem mulher em seu tempo e lugar, explorando o avesso de suas expectativas e desejos, sem abrir mão de sua liberdade e palavra final.
O filme revela também o amadurecimento da jovem atriz grega, que estreou em 2010 no drama “Attenberg”, que lhe deu o prêmio de interpretação feminina no Festival de Veneza. Ela foi vista também no ainda inédito drama fantástico “The Lobster”, prêmio do júri em Cannes 2015, dirigido por seu marido, o cineasta Yorgos Lanthimos.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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