Por Karolina Tagaris
ATENAS (Reuters) - Ahmed Alkwrab pensou que sua provação havia acabado em junho passado, quando sobreviveu a um dos naufrágios mais fatais já registrados no Mar Mediterrâneo e finalmente pisou em solo europeu.
Horas após uma traineira de pesca que transportava centenas de migrantes virar, o pintor egípcio já passou a ser interrogado pelas autoridades gregas, que o acusaram, junto com outras oito pessoas, de contrabando e de causar o desastre.
Caso condenado, pode pegar prisão perpétua.
"Quando me sentaram em uma sala sozinho e me fecharam, o medo começou. O que está acontecendo? O que aconteceu? Será que eu fiz alguma coisa?", disse à Reuters.
"Eles estão nos dizendo que somos contrabandistas. Traficantes? Não, não, não, não, não -- não é nada disso."
Suas prisões provocaram a indignação de grupos de direitos internacionais, que consideram o caso frágil e avaliam que os migrantes estão sendo usados como bodes expiatórios para erros da guarda costeira.
Alkwrab e os outros acusados passaram 11 meses em prisão preventiva aguardando uma chance de argumentar sua inocência. Quando a oportunidade surgiu, no mês passado, o juiz arquivou o caso em poucas horas, permitindo que os homens saíssem em liberdade.
O relato frequentemente emocionado de Alkwrab, compartilhado exclusivamente com a Reuters, é a primeira vez que qualquer um dos acusados fala publicamente sobre a provação.
Ele e os outros foram acusados de fazer parte da tripulação do navio, distribuindo água e consertando coisas. Ele nega.
"Eu não fiz isso. Nem dei água na boca de ninguém, nem consertei um barco ou desci até o motor."
O superlotado Adriana transportava até 750 migrantes paquistaneses, sírios e egípcios antes de virar ao largo da Grécia em 14 de junho, um dos piores desastres em uma crise de migrantes no Mediterrâneo que já dura uma década. O ocorrido levantou questões sobre o tratamento dado pela UE aos migrantes, muitos dos quais se arriscam a morrer por uma vida mais próspera na Europa.
Foram encontrados apenas 104 sobreviventes e 82 corpos.
A causa do naufrágio é controversa. Os sobreviventes afirmam que a guarda costeira fez com que o barco virasse durante uma tentativa fracassada de rebocá-lo. A guarda costeira nega, dizendo que os movimentos dos migrantes a bordo fizeram com que o barco afundasse.
NÃO É TOTALMENTE LIVRE
Alkwrab disse que a pobreza o forçou a deixar a cidade de Sadat, no Egito.
O mais novo de seus três filhos nasceu com uma doença pulmonar que exige um tratamento caro, que não pode ser pago por dois empregos.
Ele esperava se reunir com seu irmão na Itália e encontrar trabalho, e pediu 140.000 libras egípcias (quase 3 mil dólares) emprestadas a amigos para pagar a viagem.
Alkwrab começou a soluçar ao relatar seu tempo na prisão, a saudade dos filhos que estavam crescendo e das primeiras palavras de seu filho Omar. Ele não interagiu com os guardas da penitenciária. Os companheiros de prisão diziam que não havia nenhuma chance de serem libertados.
As ligações breves com a família o mantinham firme.
"O que mais me machucou foi Omar me chamar de 'papai' quando eu estava na prisão", disse Alkwrab.
"O dia mais feliz em 11 meses foi quando saí inocente. Um dia em 11 meses", acrescentou.
Alkwrab está agora em Atenas, aguardando resposta a um pedido de asilo. Ele ainda não se sente totalmente livre.
"Eu realmente desejo me legalizar neste país", disse Alkwrab.
"Para provar a todos que estamos aqui com um propósito, para fazer algo que mude nossas vidas."