BEIRUTE (Reuters) - Israel ainda não apresentou provas de suas acusações de que centenas de funcionários da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) são membros de grupos terroristas, apontou análise sobre a agência divulgada nesta segunda-feira, o que poderia levar alguns países doadores a rever o congelamento de financiamentos.
As Nações Unidas nomearam a ex-ministra das Relações Exteriores da França, Catherine Colonna, para liderar a análise da capacidade da UNRWA de garantir a neutralidade e de responder a alegações de violações, após Israel acusar 12 funcionários da agência de participarem dos ataques de 7 de outubro liderados pelo Hamas, que desencadearam o conflito em Gaza.
Realizada por investigadores internos da ONU, uma investigação separada analisa as alegações israelenses contra os 12 funcionários da UNRWA. A ONU disse na semana passada que o Escritório de Serviços de Supervisão Interna da ONU (OIOS) teve "uma série de reuniões e cooperação das autoridades israelenses sobre o assunto".
A UNRWA oferece educação, saúde e ajuda a milhões de palestinos em Gaza, Cisjordânia, Jordânia, Líbano e Síria. O relatório afirma que a agência compartilha listas de funcionários com a Autoridade Palestina, Israel, Jordânia, Líbano e Síria.
Ainda segundo a análise, Israel não havia levantado nenhuma preocupação com a UNRWA com base nessas listas de funcionários desde 2011. Então, em março de 2024, "Israel tornou públicas alegações de que um número significativo de funcionários da UNRWA seriam membros de organizações terroristas".
"No entanto, Israel ainda não forneceu evidências que comprovem isso", diz o relatório.
Israel intensificou suas acusações em março, alegando que mais de 450 funcionários da UNRWA eram agentes militares de grupos terroristas de Gaza. A agência emprega 32.000 pessoas em sua área de operações, 13.000 delas em Gaza.
Nesta segunda-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Oren Marmorstein, acusou mais de 2.135 funcionários da UNRWA de serem membros do Hamas ou da Jihad Islâmica Palestina. Ele disse que a análise de Colonna sobre a UNRWA foi insuficiente e constitui um "esforço para evitar o problema e não abordá-lo de frente".
"O relatório Colonna ignora a gravidade do problema e oferece soluções cosméticas que não lidam com o enorme escopo da infiltração do Hamas na UNRWA", disse o porta-voz, acrescentando que Israel pede aos doadores que não dêem dinheiro para a UNRWA em Gaza e, em vez disso, financiem outras organizações humanitárias no enclave.
"SALVAÇÃO"
Colonna disse a jornalistas que manteve boas relações com Israel durante a revisão, mas não ficou surpresa com a resposta israelense. Ela disse ter feito um apelo a Israel para que "por favor, leve isso em consideração; o que quer que recomendemos -- se implementado -- trará benefícios".
Questionada sobre o comentário de Marmorstein, a diretora de comunicações da UNRWA, Juliette Touma, disse: "Incentivamos os Estados membros que têm essas informações a compartilhá-las com a investigação em andamento e não com a mídia".
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, aceitou as recomendações, disse seu porta-voz, conclamando todos os países a apoiarem ativamente a UNRWA, pois ela é "uma tábua de salvação para os refugiados palestinos na região".
As alegações de Israel contra uma dúzia de funcionários da UNRWA levaram 16 países a pausar ou suspender o financiamento de 450 milhões de dólares para a agência, um golpe para uma organização que luta contra a crise humanitária que varreu Gaza desde que Israel lançou sua ofensiva na região.
A UNRWA informou que 10 desses países retomaram o financiamento, mas os Estados Unidos, o Reino Unido, a Itália, a Holanda, a Áustria e a Lituânia não o fizeram. Um porta-voz da ONU disse que a UNRWA atualmente tem fundos suficientes para pagar as operações até junho.
Após as alegações israelenses contra os funcionários da UNRWA, os Estados Unidos, maior doador da agência, com 300-400 milhões de dólares por ano, interrompeu o financiamento e, em seguida, o Congresso dos EUA suspendeu as contribuições até pelo menos março de 2025.
"ESTRUTURA ROBUSTA"
Há tempos Israel reclama da agência, fundada em 1949 para cuidar dos refugiados palestinos. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, pediu o fechamento da UNRWA, dizendo que ela procura preservar a questão dos refugiados palestinos.
Israel lançou seu ataque em Gaza após combatentes do Hamas invadirem cidades israelenses em 7 de outubro, matando 1.200 pessoas e sequestrando outras 253, de acordo com os registros israelenses. Israel já matou mais de 34.000 pessoas em Gaza, segundo as autoridades de saúde locais.
A UNRWA diz que rescindiu os contratos de 10 dos 12 funcionários acusados por Israel de envolvimento nos ataques de 7 de outubro, e que os outros dois estão mortos.
A análise de Colonna observou que a UNRWA tem "uma abordagem mais desenvolvida" em relação à neutralidade do que outros grupos semelhantes da ONU ou de ajuda humanitária.
"Apesar dessa estrutura robusta, as questões relacionadas à neutralidade persistem", concluiu.
Segundo o relatório, entre elas estão alguns funcionários que expressam publicamente opiniões políticas, livros didáticos com conteúdo problemático sendo usados em algumas escolas da UNRWA e sindicatos de funcionários politizados fazendo ameaças contra a administração da UNRWA e interrompendo as operações.
Em Gaza, os desafios de neutralidade da UNRWA incluíam o tamanho da operação, com a maioria dos funcionários sendo ao mesmo tempo recrutados e também beneficiários dos serviços da agência, diz o relatório.
O chefe da UNRWA, Philippe Lazzarini, disse nesta segunda-feira que a agência desenvolve um plano de ação para levar adiante as recomendações da revisão de Colonna.
"As recomendações desse relatório fortalecerão ainda mais nossos esforços e nossa resposta durante um dos momentos mais difíceis da história do povo palestino", disse ele.
O Ministério das Relações Exteriores palestino disse que as recomendações "para melhorar os já altos padrões de imparcialidade, humanidade e neutralidade da UNRWA" eram importantes e apelou aos doadores que interromperam o financiamento que "reconsiderem urgentemente suas decisões".
(Reportagem de Tom Perry em Beirute e Michelle Nichols em Nova York; reportagem adicional de Henriette Chacar em Jerusalém e Ali Sawafta em Ramallah)