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Kamala ou Trump herdarão legado misto nas eleições de 2024 nos EUA

Publicado 05.11.2024, 12:48
© Reuters. Tela com transmissão do debate na rede ABC entre o candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump, e a candidata democrata e atual vice-presidente, Kamala Harris, na Filadélfia, Pensilvânia, EUAn10/09/2024nREUTERS/Evelyn Hockstein

WASHINGTON (Reuters) - Os americanos vão às urnas na terça-feira em um clima de descontentamento e divisão, com pesquisas de opinião mostrando que quase dois terços dos eleitores acreditam que o país está indo na direção errada sob o comando do presidente norte-americano, Joe Biden.

Embora a economia dos Estados Unidos seja alvo de inveja no mundo industrializado, emergindo das paralisações causadas pela Covid-19 com forte crescimento do emprego e aumentos salariais, muitos americanos reclamam que esses ganhos foram engolidos pelos altos preços dos alimentos e das moradias.

A promessa de Biden de retomar um regime de imigração mais humanizado do que o do ex-presidente republicano Donald Trump logo colidiu com a realidade de um aumento nas travessias ilegais na fronteira.

A Suprema Corte alterou o cenário jurídico em torno do direito ao aborto ao derrubar o caso Roe vs Wade, inflamando uma das questões mais polêmicas da política norte-americana.

E, apesar da promessa de Biden de que os EUA serviriam como uma força estabilizadora no mundo, os conflitos no exterior ofuscaram sua Presidência.

Quem quer que triunfe na eleição -- Trump ou a vice-presidente Kamala Harris -- herdará o legado de um governo Biden que cumpriu algumas promessas, viu outras serem atropeladas pelos acontecimentos e algumas ainda foram apenas parcialmente cumpridas. Veja como Biden se saiu nas questões decisivas de sua Presidência.

IMIGRAÇÃO

Biden, um democrata, começou seu mandato revertendo muitas das políticas restritivas de imigração de Trump. Ele interrompeu a construção do muro de Trump na fronteira, rescindiu proibições que tinham como alvo pessoas de determinados países de maioria muçulmana e de outras nações e encerrou o programa "Permanecer no México", que forçava os solicitantes de asilo não-mexicanos a esperar no México enquanto aguardavam o andamento do processo nos EUA.

Mas meses após o início de sua Presidência, as travessias ilegais aumentaram, principalmente de crianças desacompanhadas da América Central, sobrecarregando os centros de processamento de fronteira dos EUA e alimentando críticas dos republicanos.

As travessias ilegais atingiram níveis recordes em 2022 e 2023, à medida que mais migrantes chegavam de Cuba, Haiti, Nicarágua, Venezuela, e de países de fora do hemisfério.

Em resposta, o governador republicano do Texas, Greg Abbott, começou em 2022 a levar de ônibus os migrantes que chegavam no Estado para cidades democratas, incluindo Nova York e Chicago, que lutavam para abrigá-los.

Em janeiro, Biden apoiou um projeto de lei bipartidário que visava reforçar a segurança nas fronteiras. Depois que o projeto de lei foi derrotado no Senado dos EUA em meio à oposição de Trump, Biden proibiu, em junho, o asilo para a maioria dos migrantes que cruzam a fronteira ilegalmente.

O número de migrantes pegos atravessando ilegalmente a fronteira caiu drasticamente, desmentindo as falsas alegações de Trump de que Kamala e os democratas apoiam uma fronteira aberta.

Apesar das pressões políticas em torno da migração, Biden criou novos caminhos legais para centenas de milhares de migrantes e supervisionou a restauração do programa de refugiados dos EUA, que admitiu mais de 100 mil refugiados no ano fiscal de 2024, o maior número em 30 anos.

ABORTO

A maior reviravolta no acesso ao aborto em décadas ocorreu durante a presidência de Biden -- mas por causa de uma decisão da Suprema Corte.

Em junho de 2022, a maioria conservadora formada pelas nomeações de Trump para o tribunal eliminou o direito federal ao aborto, garantido há quase 50 anos por meio do caso Roe vs Wade.

A decisão deu início a um período em que cada Estado estabelece suas próprias leis sobre o acesso ao aborto. Mais de uma dúzia deles proibiram o procedimento em todos ou na maioria dos casos.

Biden condenou a decisão da Suprema Corte, e seu governo, por meio do Departamento de Saúde e Serviços Humanos e do Departamento de Justiça, estabeleceu diretrizes para garantir o acesso ao atendimento emergencial ao aborto de acordo com a lei federal e defendeu o uso da pílula abortiva perante a Suprema Corte.

O governo também pressionou pela ampliação do acesso a serviços de saúde reprodutiva, como contracepção, por meio do Affordable Care Act.

A administração de Biden obteve sua maior vitória em junho, quando a Suprema Corte rejeitou um processo movido por defensores da luta contra o aborto que buscava reverter a aprovação da Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês) para a mifepristona, um dos dois medicamentos usados no regime da pílula abortiva.

Mas o tribunal rejeitou, por motivos processuais, um caso do governo argumentando que a proibição severa do aborto em Idaho entrava em conflito com uma lei federal que exige que os prestadores de serviços médicos ofereçam atendimento de emergência estabilizador, incluindo abortos. Em outubro, o tribunal não admitiu apreciar um caso semelhante do governo sobre a rigorosa proibição do aborto no Texas.

Embora Biden, católico devoto, tenha se sentido abertamente desconfortável em relação ao aborto desde o início de sua carreira política, mitigar os impactos da dissolução de Roe vs Wade virou um pilar de sua presidência.

Os democratas, de forma mais ampla, tornaram o direito ao aborto central em sua plataforma nas eleições de meio de mandato de 2022. Em março, Kamala se tornou a primeira vice-presidente ou presidente em exercício a visitar uma clínica de aborto.

ECONOMIA

Joe Biden pode entrar para a história por ter supervisionado uma melhora significativa na economia dos EUA, mas que passou despercebida pelos norte-americanos. 

Desde 2021, quando o país emergiu de uma pandemia global que criou brevemente perdas históricas de empregos e levou a economia a uma quase paralisação, os empregadores criaram quase 16,5 milhões de novos empregos. A taxa de desemprego foi, em média, de apenas 4,2%, incluindo o período mais longo a 4% ou menos desde a década de 1960.

O crescimento do Produto Interno Bruto tem sido de 3,2% em média por trimestre, bem acima do que a maioria dos economistas considera o potencial de longo prazo da economia dos EUA. A renda e os salários cresceram acima da tendência. O patrimônio líquido coletivo das famílias dos EUA subiu para um recorde de 163,8 trilhões de dólares, graças a um mercado de ações em expansão e ao aumento do valor das casas.

Apesar destes indicadores, pesquisas durante a maior parte do mandato de Biden mostraram que tais melhorias não foram percebidas pelo americano comum. Por quê? Porque tudo isso ocorreu no contexto do pior surto de inflação em uma geração.

À medida que a economia se reabriu, uma combinação de cadeias de suprimentos emaranhadas, escassez de trabalhadores e demanda aquecida do consumidor, apoiada por cerca de 5 trilhões de dólares de estímulos governamentais das administrações de Biden e Trump, fez com que os preços subissem -- rapidamente.

No verão de 2022, o Índice de Preços ao Consumidor estava subindo 9,1% em relação ao ano anterior e o indicador amplamente seguido de satisfação das famílias com a economia -- o Índice de Confiança do Consumidor da Universidade de Michigan -- caiu para uma baixa recorde.

Embora a inflação tenha recuado e a confiança tenha começado a se recuperar, as pesquisas mostram que os americanos ainda sentem a dor dos preços altos persistentes e culpam Biden e os democratas por isso.

JUSTIÇA RACIAL

Em seu primeiro dia na Casa Branca, Biden assinou uma decreto com o objetivo de abordar o racismo, a brutalidade policial, a pobreza e as desigualdades que afetam os negros e outras comunidades de cor.

Mas a reforma tem sido lenta: o George Floyd Justice in Policing Act, apresentado em 2021 para impedir táticas agressivas de aplicação da lei e preconceito racial, ficou parado no Congresso.

Em 2022, Biden emitiu uma decreto instruindo o Departamento de Justiça a criar um banco de dados nacional de má conduta de policiais federais e exigindo que os órgãos federais de aplicação da lei investigassem o uso de força letal ou mortes sob custódia. Também restringiu o uso de estrangulamentos e de entradas não anunciadas em residências e estabelecimentos por órgãos federais.

Embora o Departamento de Justiça de Biden tenha reavivado as investigações sobre abusos de direitos civis, que em grande parte haviam parado durante o governo Trump, ele não conseguiu garantir um único acordo vinculativo nas 12 investigações abertas sobre possíveis abusos de direitos civis da polícia desde que Biden assumiu o cargo.

Na frente econômica, o desemprego entre os negros caiu para uma baixa histórica no ano passado. Somente neste ano, o governo direcionou 1,5 bilhão de dólares em empréstimos para empresas de propriedade de negros. Também investiu mais de 16 bilhões de dólares em faculdades e universidades historicamente negras e distribuiu 2,2 bilhões de dólares para mais de 43 mil agricultores negros e de outros países que sofreram discriminação. No ano passado, o governo Biden alocou 470 milhões de dólares para melhorar a saúde materna.

POLÍTICA EXTERNA

Das guerras na Ucrânia e em Gaza ao derramamento de sangue civil no Sudão, os conflitos no exterior dominaram a agenda da política externa de Biden.

Biden chegou ao cargo prometendo restaurar a liderança global dos EUA no mundo e determinado a se opor a uma China cada vez mais agressiva.

Em alguns aspectos, seu governo fez exatamente isso. Após a caótica retirada das tropas dos EUA do Afeganistão em 2021, Biden reuniu aliados dos EUA no ano seguinte para se opor à invasão da Ucrânia pela Rússia e também revitalizou alianças em toda a Ásia para pressionar a liderança da China.

No entanto, os EUA têm lutado para pôr fim aos conflitos e não têm conseguido impedir o aprofundamento dos laços entre Rússia, China, Irã e Coreia do Norte.

Agora em seu terceiro ano, a guerra na Ucrânia continua, apesar dos bilhões de dólares em ajuda militar dos EUA e das perdas maciças de ambos os lados. O conflito está cada vez mais internacional, com acusações ocidentais de que Moscou está recebendo armas e soldados da Coreia do Norte, mísseis e drones do Irã e apoio técnico e de outros tipos da China.

A guerra entre Israel e os militantes palestinos na Faixa de Gaza, que começou quando os combatentes do Hamas realizaram um ataque mortal contra Israel, transformou-se em um conflito entre Israel e os militantes libaneses do Hezbollah e provocou ataques de represália entre Israel e o Irã.

O firme apoio de Biden a Israel dividiu seu partido e minou a capacidade dos EUA de criticar outros países em relação aos direitos humanos e às violações do direito internacional.

Um conflito no Sudão desencadeou violência étnica e condições de fome na região sudanesa de Darfur, onde a violência, há cerca de 20 anos, levou o Tribunal Penal Internacional a acusar ex-líderes sudaneses de genocídio e crimes contra a humanidade. Os EUA têm tentado ajudar a intermediar o fim do conflito, que já dura 18 meses.

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

Biden entrou na Casa Branca com grandes ambições de combater as mudanças climáticas, fazendo a transição da economia dos EUA dos combustíveis fósseis para fontes mais limpas e renováveis -- tudo isso enquanto cria novos empregos verdes e sindicalizados e reorienta a fabricação dos EUA. Suas metas incluem acabar com o arrendamento federal de petróleo e gás, expandir as implantações de energia solar e eólica para descarbonizar a rede elétrica, eletrificar a frota de veículos do país e, por fim, colocar a economia em um caminho para se tornar neutra em carbono até 2050.

Entre as medidas vitoriosas, Biden sancionou três leis que impulsionaram um investimento maciço na economia de energia limpa: a Lei de Redução da Inflação, a lei de infraestrutura bipartidária e a Lei CHIPS, que visa estabelecer uma cadeia de suprimentos de semicondutores nacionais que poderia isolar o setor de energia nacional de choques de fornecimento.

Com a Lei de Redução da Inflação, as empresas investiram centenas de bilhões de dólares em novos projetos de energia solar, eólica, veículos elétricos e infraestrutura, armazenamento de baterias e outros projetos favoráveis ao clima que aceleraram a transição energética e criaram empregos -- em grande parte em Estados republicanos cujos parlamentares não apoiaram a legislação.

O governo concedeu 90 bilhões de dólares em subsídios para projetos climáticos, de energia limpa e outros projetos no âmbito da Lei de Redução da Inflação, ou seja, cerca de 70% da verba que a legislação destinou para o clima, de acordo com funcionários do governo.

O governo Biden também expandiu o arrendamento federal para projetos de energia renovável e aprovou novas regulamentações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa de veículos, usinas de energia e operações de petróleo e gás.

© Reuters. Tela com transmissão do debate na rede ABC entre o candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump, e a candidata democrata e atual vice-presidente, Kamala Harris, na Filadélfia, Pensilvânia, EUA
10/09/2024
REUTERS/Evelyn Hockstein

No lado das perdas, as tentativas de seu governo de acabar com o arrendamento federal de petróleo e gás fracassaram nos tribunais, e suas políticas não conseguiram impedir um aumento maciço na produção de petróleo e gás dos EUA -- principalmente em terras de propriedade privada no Texas e no Novo México -- que tornou os EUA o maior produtor de petróleo do mundo.

E, talvez no melhor teste de fogo das ações climáticas de Biden, as projeções do Rhodium Group mostram que as emissões de gases de efeito estufa dos EUA devem diminuir de 32% a 43% até 2030 com as políticas atuais, aquém da meta de Biden de 50% a 52%.

(Reportagem de Ted Hesson, Gabriella Borter, Dan Burns, Don Durfee, Kat Stafford e Valerie Volcovici)

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