Por Lisandra Paraguassu
BASÍLIA (Reuters) -Em um duro discurso na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez, nesta terça-feira, uma cobrança veemente por uma reforma na estrutura da instituição e classificou de inaceitável e "um eco do passado colonial" a exclusão da África e da América Latina de assentos permanentes no Conselho de Segurança.
"Não tenho ilusões sobre a complexidade de uma reforma como essa, que enfrentará interesses cristalizados de manutenção do status quo. Exigirá enorme esforço de negociação. Mas essa é a nossa responsabilidade. Não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global", afirmou.
A reforma de organizações mundiais como a ONU, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial são questões centrais da presidência brasileira do G20 e devem ser parte do acordo final da cúpula, marcada para novembro no Rio de Janeiro. Especialmente a reforma do Conselho de Segurança é uma reivindicação história do Brasil e de países como Alemanha, Índia e Japão.
Entre as propostas brasileiras, resumidas pelo presidente em seu discurso, estão a reforma do Conselho com ampliação dos membros permanentes e o fim do direito ao veto.
Mas o Brasil propõe também dar mais poder a Assembleia Geral em questões de segurança e paz, e fortalecer a Comissão de Consolidação da Paz, que trabalha para ajudar países depois do fim dos conflitos.
Para além das questões de segurança, o presidente propôs ainda a transformação do Conselho Econômico e Social na principal instância para discutir as mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável.
"Estamos chegando ao final do primeiro quarto do século 21 com as Nações Unidas cada vez mais esvaziada e paralisada. É hora de reagir com vigor a essa situação, restituindo à Organização as prerrogativas que decorrem da sua condição de foro universal. Não bastam ajustes pontuais. Precisamos contemplar uma ampla revisão da Carta", disse Lula, que foi aplaudido ao defender as reformas.
COBRANÇAS
Lula também subiu o tom das cobranças à comunidade internacional para que assumam seus compromissos nas questões de mudanças climáticas, combate à fome e fim dos conflitos internacionais.
Ao abrir sua fala, lembrou a dificuldade dos países em formalizar o documento do Pacto para o Futuro, adotado na véspera com 56 medidas para tentar solucionar justamente problemas como fome, conflitos e mudanças climáticas. O documento terminou por ser uma carta de intenções, já que não é vinculante, pela resistência de países como Rússia, Venezuela e Nicarágua.
"Adotamos anteontem, aqui neste mesmo plenário, o Pacto para o Futuro. Sua difícil aprovação demonstra o enfraquecimento de nossa capacidade coletiva de negociação e diálogo", criticou o presidente. "Seu alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes."
Lula voltou a falar dos imensos gastos mundiais em defesa e dos conflitos na Ucrânia, na Faixa de Gaza, e também outros menos falados, como o Sudão e o Iêmen.
Voltou a defender a proposta de seis pontos para a paz desenvolvida por Brasil e China, e que deverá ser discutida em uma reunião com 20 países do Sul Global na próxima sexta-feira, em Nova York.
"Em tempos de crescente polarização, expressões como 'desglobalização' se tornaram corriqueiras. Mas é impossível 'desplanetizar' nossa vida em comum. Estamos condenados à interdependência da mudança climática", disse. "O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não cumpridos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega."
Em meio às queimadas que assolam o país, Lula lembrou os desastres ambientais que o país passou este ano, mas garantiu que o Brasil irá lidar com os problemas e não pretende admitir interferências.
"O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais. Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Não transigiremos com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado", afirmou.
O Brasil, por tradição, abre todos os anos a Assembleia Geral das Nações Unidas.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São PauloEdição de Pedro Fonseca)