Por Maria Paula Laguna
(Reuters) - Um dos mais novos âncoras televisivo venezuelanos senta em um banquinho, usando uma camisa de flanela e calça social enquanto lê as manchetes do dia.
Ele é conhecido como "El Pana", gíria venezuelana para "amigo".
Só tem um detalhe: ele não é real.
El Pana, e a sua colega, a "La Chama," ou "a garota", foram gerados utilizando inteligência artificial, ainda que eles tenham aparência, falem e se mexam realisticamente.
Eles foram criados como parte da iniciativa "Operação Retuíte" pela organização Connectas, sediada na Colômbia, liderada pelo diretor Carlos Huertas, para publicar notícias de dezenas de veículos de imprensa independente venezuelanos e fazer isso protegendo os repórteres num momento de perseguição do governo contra jornalistas e manifestantes.
"Decidimos usar inteligência artificial para ser o ‘rosto’ da informação que estamos publicando”, disse Huertas em entrevista, "já que os nossos colegas que ainda estão trabalhando estão enfrentando muito mais riscos".
Ao menos 10 jornalistas foram presos desde meados de junho e oito seguem na prisão sob acusações que incluem terrorismo, de acordo com Repórteres Sem Fronteiras.
"Usar inteligência artificial aqui é quase uma mistura entre tecnologia e jornalismo”, disse Huertas, explicando que o projeto pretende “driblar o aumento da perseguição” do governo já que não haveria ninguém para ser preso.
A oposição no país e grupos de defesas de direitos humanos disseram que prisões recentes de manifestantes, figuras oposicionistas e jornalistas são parte de estratégia do governo criada com o intuito de calar, por vezes com violência, o conflito relacionado com a eleição.
O ministro das Comunicações venezuelano não respondeu aos pedidos de comentário sobre a iniciativa de jornalismo com IA. Nenhuma autoridade do país respondeu aos repetidos pedidos de comentário da Reuters sobre a prisão de jornalistas nas últimas semanas.
Tanto a oposição quanto o presidente Nicolás Maduro alegam ter vencido a eleição de 28 de julho.
Maduro, no cargo desde 2013, tem o apoio do Tribunal Supremo e da autoridade eleitoral, que não publicou as atas completas da eleição com a justificativa de que sofreu um ataque digital.
Protestos desde a eleição levaram a 27 mortes e 2,4 mil prisões, e detenções de figuras oposicionistas e manifestantes continuam como parte da operação do governo chamada “toc-toc".