Por Nidal al-Mughrabi
GAZA (Reuters) - A maior parte dos 2,3 milhões de pessoas na Faixa de Gaza não tem eletricidade nem água. E, com centenas de ataques israelenses sobre o seu pequeno enclave, não tem para onde fugir.
Um dos lugares mais populosos do planeta, o território palestino está sitiado desde sábado, num bombardeio quase constante que, segundo autoridades de saúde de Gaza, matou mais de 1.000 pessoas. A blitz é uma retaliação ao ataque devastador contra Israel perpetrado pelo grupo Hamas, que os militares israelenses dizem ter matado mais de 1.200 pessoas -- o Hamas controla Gaza.
A única central elétrica de Gaza, que vinha trabalhando intermitentemente há dias, foi desligada nesta quarta-feira após ficar sem combustível. Sem energia, a água não pode ser bombeada para as casas. À noite há escuridão quase total, pontuada por bolas de fogo e pontinhos de luz de telefones usados como lanternas.
"Vivi todas as guerras e incursões do passado, mas nunca testemunhei nada pior do que esta guerra", disse Yamen Hamad, 35 anos, pai de quatro filhos, cuja casa foi destruída pelos ataques israelenses no norte de Gaza, na cidade de Beit Hanoun.
Num hospital em Khan Younis, no sul de Gaza, familiares e amigos faziam fila à porta do sobrecarregado necrotério, onde corpos eram estendidos no chão porque os refrigeradores já estavam cheios ou não tinham energia.
Os enlutados corriam para enterrar seus entes queridos rapidamente, antes que o calor fora de época cobrasse seu preço. Falavam brevemente e rezavam para que as almas descansem em paz, antes de levá-los para túmulos próximos, com macas, se disponíveis, ou sem macas.
A Reuters entrevistou mais de três dezenas de pessoas em Gaza e a maioria concordou com os sentimentos de Hamad. Pintaram um quadro de pavor e desesperança face ao que descreveram como a pior violência já vista.
Diante do bloqueio das autoridades egípcias à única travessia possível, na fronteira com o Egito, pessoas disseram estar encurraladas. O temor é que o pior ainda esteja por vir, incluindo uma possível invasão terrestre, enquanto Israel busca vingança pelo ataque militante palestino mais mortal nos 75 anos de história do país.
O ataque surpresa do sábado se deu com militantes do Hamas que saíram de Gaza e mataram centenas de pessoas, deixando cadáveres espalhados por um festival de música e por um kibutz. Dezenas de israelenses e outros foram levados para Gaza como reféns, alguns deles desfilando pelas ruas.
Beit Hanoun, perto da fronteira com Israel, foi um dos primeiros locais duramente atingidos pelos ataques de retaliação israelense, com muitas estradas e edifícios destruídos e milhares de desalojados, segundo o Hamas e os residentes locais.
Não houve escapatória para a família de Ala al-Kafarneh.
O homem de 31 anos disse que fugiu da cidade de Beit Hanoun no sábado com a esposa grávida, o pai, irmãos, primos e sogros. Eles dirigiram até um campo de refugiados na costa, onde esperavam estar mais seguros, mas os ataques aéreos também atingiram a área. Rumaram, então, para Sheikh Radwan, mais a leste.
Na noite de terça-feira, um ataque aéreo atingiu o prédio onde Kafarneh e sua família estavam, matando todos, exceto ele.
"Escapamos do perigo para a morte", disse Kafarneh do lado de fora do hospital Shifa, na Cidade de Gaza, com a cabeça cortada e um gesso cobrindo do ombro ao pulso.
Ele estava sentado na calçada, perto de centenas de outras pessoas ao ar livre, ao lado do hospital. Alguns disseram esperar que a localização pudesse oferecer alguma proteção contra bombardeios.
"Agora estou sem teto", disse Youssef Dayer, 45 anos, perto do hospital. "Talvez seja seguro. Talvez. É um lugar civil pacífico, certo? Talvez não. Nenhum lugar parece seguro", acrescentou.
Mais de 175 mil habitantes de Gaza fugiram de suas casas desde sábado, segundo as Nações Unidas. Algumas agências de ajuda humanitária em Gaza dizem que as condições são as piores de que conseguem lembrar.
Em outro hospital, o médico dos Médicos Sem Fronteiras, Mohammad Abu Mughaseeb, disse que há anos faltam suprimentos médicos. O cerco israelense poderia resultar no fim dos estoques em semanas, disse ele, levando o sistema de saúde ao colapso.
O Ministério da Saúde de Gaza disse que hospitais e instalações médicas que funcionam com geradores de combustível deverão ficar sem energia nos próximos dias e teme que instalações de tratamento de esgoto parem, levando ao aumento de resíduos e doenças em todo o território.
Em Khan Younis, uma ambulância estava parada no final de um beco com a sirene tocando, um homem sentado lá dentro embalando sua filha pequena, os olhos arregalados de rostos cobertos de poeira.
"Não tenha medo, não tenha medo", sussurrava repetidamente.
(Reportagem de Nidal al-Mughrabim em Gaza; Reportagem adicional de Abir Al Ahmarm em Dubai)