Por Nidal al-Mughrabi
CAIRO (Reuters) - Omar Deeb quase foi atingido por disparos de tanques israelenses enquanto procurava alimentos em Gaza e, depois, viu pessoas serem mortas ao seu redor quando saiu mais uma vez para alimentar sua família no enclave sitiado.
Mas, como muitos habitantes de Gaza que em breve poderão enfrentar a inanição, ele não tem escolha a não ser embarcar no que chama de "missões de morte", arriscando sua vida para sustentar seus seis filhos, que vivem em um abrigo escolar.
"Se eu for, nós comemos. E se eu não for, não comemos", disse Deeb, de 37 anos, que mora na Cidade de Gaza, à Reuters por telefone.
Garantir a ajuda tornou-se uma luta de vida ou morte em Gaza durante uma campanha aérea e terrestre israelense de seis meses que já matou mais de 32.000 palestinos e feriu mais de 75.000, de acordo com as autoridades de saúde de Gaza.
Israel está realizando a ofensiva em retaliação a um ataque do Hamas ao sul de Israel em 7 de outubro, no qual 1.200 pessoas foram mortas e mais de 200 pessoas foram feitas reféns, de acordo com os registros israelenses.
A Organização das Nações Unidas alertou sobre a iminência de fome e reclamou dos obstáculos para a entrada e distribuição de ajuda em Gaza. Os EUA também afirmam que a inanição é iminente.
Deeb ainda não se recuperou dos ferimentos sofridos quando pedaços de um prédio que foi explodido o atingiram quando ele tentava pegar farinha dos caminhões de ajuda que entravam no norte de Gaza.
Deeb também esteve perto da morte duas outras vezes, segundo ele, a primeira em 29 de fevereiro, quando o Ministério da Saúde de Gaza disse que mais de 100 pessoas foram mortas por fogo israelense quando se aventuravam para obter ajuda.
Israel disse que as mortes foram causadas quando as pessoas foram pisoteadas ou atropeladas por caminhões que transportavam ajuda.
Em 23 de março, ele disse que Israel abriu fogo em um ponto de entrega de ajuda na rotatória do Kuweit, em Gaza, onde várias outras pessoas foram mortas ao seu redor, a maioria membros dos comitês populares, órgãos formados por clãs e facções familiares tradicionais para proteger os comboios de ajuda.
DESESPERADO E FAMINTO
"Toda vez (que vou) parece que é a última vez", disse Deeb.
"Portanto, eu me despeço de minha esposa e de meus filhos. Peço à minha esposa que me perdoe, e às crianças também", disse Deeb, cujo filho de cinco anos foi morto em um ataque israelense à sua casa em dezembro.
Contatados pela Reuters, as Forças de Defesa de Israel não fizeram nenhum comentário imediato sobre a alegação palestina de que colocam em perigo os que buscam ajuda. Em 23 de março, militares israelenses disseram que suas forças não haviam disparado contra as pessoas do comboio de ajuda no incidente da rotatória do Kuweit, de acordo com suas conclusões preliminares.
As autoridades israelenses afirmam que aumentaram o acesso da ajuda a Gaza, que não são responsáveis pelos atrasos e que a entrega da ajuda dentro de Gaza é de responsabilidade da ONU e das agências humanitárias. Israel também acusou o Hamas de roubar a ajuda, uma acusação que o Hamas nega.
Ressaltando o caos em Gaza, cidadãos da Austrália, do Reino Unido e da Polônia estavam entre as sete pessoas que trabalhavam para a World Central Kitchen, do famoso chef Jose Andres, que foram mortas em um ataque aéreo israelense no centro de Gaza na segunda-feira, disse a ONG.
"A última vez que comi carne, foi frango - foi uma semana antes da guerra", disse Deeb.
Desesperados e famintos, milhares de pessoas, como Deeb, dirigem-se aos pontos de entrega de ajuda quando a noite cai para garantir um pouco de farinha ou alimentos enlatados.
Eles ficam sabendo das entregas pelos motoristas dos caminhões de ajuda que telefonam para seus parentes, que, por sua vez, espalham a notícia.
"Quando os caminhões de ajuda chegam a Deir Al-Balah, na região central de Gaza, o parente do meu vizinho (o motorista) liga para ele e nós nos levantamos para ir, independentemente da hora", disse ele.
Quando Deeb e outros correm para os pontos de entrega de ajuda, outros, como Abu Mahmoud, membro dos Comitês Populares, abrem caminho para a comida com paus para tentar manter a ordem. Alguns outros membros, em sua maioria do Hamas, têm armas.
ATAQUES, MULTIDÕES, LADRÕES
Com as forças israelenses jurando eliminar o Hamas, tornou-se altamente arriscado para qualquer pessoa ligada ao grupo islâmico sair em campo aberto para proteger as entregas de ajuda aos civis, de modo que o trabalho está sendo feito pelos comitês populares.
Gaza tem vários clãs familiares tradicionais, alguns dos quais, acredita-se, estão fortemente armados.
Abu Mahmoud, ex-funcionário público contratado pelo Hamas, sobreviveu à morte nos dois locais mencionados por Deeb. Em um desses incidentes, ele perdeu três de seus amigos, disse à Reuters.
Esses homens veem sua missão arriscada como não menos importante do que lutar contra Israel, diz Abu Mahmoud, pai de cinco filhos.
"É uma missão de martírio", disse Abu Mahmoud, que não quis dar seu nome completo por medo de represálias israelenses.
Fontes dos comitês populares estimam em cerca de 70 o número de membros que foram mortos no último mês. De acordo com fontes dos clãs e dos comitês populares, esses 70 foram mortos por ataques israelenses em diferentes locais de entrega de ajuda.
Abu Mahmoud disse que o principal obstáculo para levar a ajuda ao norte de Gaza tem sido os ataques israelenses, que matam ou ferem vários deles todos os dias.
Outro problema são as grandes multidões de pessoas que correm para pegar a ajuda. Às vezes, há ladrões, não moradores de Gaza famintos, dizem os residentes e membros dos comitês populares.
"Nossa missão é muito arriscada, não podemos abrir fogo contra as pessoas, não queremos isso. Então, na maioria das vezes, alguns disparam para o ar para dispersar os ladrões", disse Abu Mahmoud.