Por Aaron Ross
KERICHO, Quênia (Reuters) - Quando a então princesa Elizabeth visitou o Quênia em 1952, Kibore Cheruiyot Ngasura estava entre um grupo de jovens escolhidos para cantar para ela em um evento próximo ao Lago Vitória.
Os homens planejavam usar a ocasião para pedir a Elizabeth que transferisse seus pais de um campo de detenção na cidade de Gwassi, árida e infestada de mosquitos, onde os membros do clã Talai haviam sido mantidos por quase duas décadas sob suspeita de fomentar a resistência ao domínio colonial britânico.
O evento nunca aconteceu. Antes que Elizabeth pudesse chegar ao Lago Vitória, chegou a notícia de que seu pai, o rei George 6º, havia morrido. A nova rainha voltou correndo para Londres.
Mais de 70 anos depois, o filho de Elizabeth, o rei Charles, viajará para o Quênia nesta semana em uma visita de Estado. E Ngasura, agora com cerca de 100 anos de idade, tem novamente uma mensagem para o visitante real.
"Quero informá-lo de que devemos ser compensados pelas dificuldades pelas quais passamos", disse Ngasura à Reuters do lado de fora de sua casa, uma pequena estrutura de madeira e ferro em uma colina gramada com duas lâmpadas e sem água corrente.
O Palácio de Buckingham disse que a visita de Charles, que começa na terça-feira, reconhecerá "aspectos dolorosos da história compartilhada do Reino Unido e do Quênia". Os britânicos governaram por mais de seis décadas antes de o Quênia conquistar sua independência em 1963.
Mas para algumas comunidades nas terras altas e férteis do oeste do Quênia, as injustiças causadas pela colonização britânica são tão atuais quanto memórias históricas.
Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2021 afirmou que mais de meio milhão de quenianos em torno da cidade de Kericho, no oeste do país, sofreram graves violações dos direitos humanos, incluindo assassinatos ilegais e expropriação de terras durante o domínio colonial britânico.
A administração colonial tomou centenas de quilômetros quadrados de terras em que as comunidades do oeste do Quênia viviam há gerações e as entregou aos colonos britânicos. Grande parte delas se transformou em plantações de chá que hoje pertencem a empresas multinacionais, segundo o relatório da ONU.
"Nosso povo, a maioria deles, está vivendo abaixo do nível de pobreza", disse Joel Kimetto, representante do grupo étnico Kipsigis, do qual os Talai são um dos 196 clãs.
"A maior parte das vastas terras férteis foi tomada pelos britânicos e nosso povo foi expulso para as reservas nativas, onde as terras são montanhosas, rochosas, inclinadas e improdutivas", disse ele.
Um porta-voz do governo britânico observou que o governo do Reino Unido já havia expressado arrependimento pelos abusos cometidos durante um levante de 1952-1960 na região central do Quênia contra o domínio colonial.
O governo britânico acertou um acordo extrajudicial em 2013 para pagar quase 20 milhões de libras a idosos quenianos que sofreram tortura e abusos durante o que é conhecido pelos quenianos como “a emergência”, depois de um tribunal de Londres ter decidido que as vítimas poderiam processar.
“Acreditamos que a forma mais eficaz de o Reino Unido responder aos erros do passado é garantir que as gerações atuais e futuras aprendam as lições da história e que continuemos a trabalhar juntos para enfrentar os desafios de hoje”, disse o porta-voz em resposta a perguntas da Reuters.
O porta-voz não abordou as alegações levantadas pelos Kipsigis e Talai, que são distintas dos abusos durante a emergência. O Palácio de Buckingham não respondeu a um pedido de comentário.