A vinda ao Brasil da delegação dos Estados Unidos para anunciar um pacote com medidas que facilitam o comércio rapidamente se transformou em uma oportunidade de pressionar o País contra a presença da empresa chinesa Huawei no leilão do 5G. Na avaliação de analistas ouvidos pelo Estadão, além de interesses comerciais, o governo de Donald Trump tenta gerar boas notícias nas relações exteriores, às vésperas das eleições americanas.
Em um movimento contra a participação dos chineses no leilão de 5G, os americanos disseram estar dispostos a financiar "qualquer investimento" no setor de telecomunicações. Uma delegação de autoridades americanas em visita ao Brasil atacou a China e deixou claro que espera que o País escolha empresas de outras nacionalidades.
"Faz parte do ideário de Trump, de colocar oposição à China como principal item de sua política externa, embora as simplificações de comércio, como as que foram assinadas, não levem necessariamente a um acordo de comércio, já que o governo americano não pode negociar algo assim sem autorização do Congresso", diz o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa.
Ele avalia que a delegação americana aproveitou a viagem para oferecer empréstimos e facilidades ao Brasil, "colocando uma 'cenourinha' para que o Brasil exclua a China do leilão". Para o consultor, o mais prudente seria que o Brasil esperasse o resultado das eleições nos EUA antes de decidir sobre o 5G.
Para o também ex-embaixador Rubens Ricupero, que já foi ministro da Fazenda, é de interesse de Bolsonaro o anúncio de medidas de desburocratização do comércio com os americanos, para tentar tirar a impressão de que o Brasil só perdeu até agora nas negociações com a Casa Branca. "O Brasil só dá boas notícias para Trump, como na cota de isenção de tarifa para o etanol americano. Agora, houve pouco avanço, a medida de facilitação do comércio acordada não é nova, um acordo da Organização Mundial de Comércio (OMC) já previa isso."
Ricupero avalia que a presença do conselheiro de Segurança dos Estados Unidos, Robert O'Brien, na delegação, o que é incomum, reforça que o objetivo da visita é pressionar o Brasil para não escolher a Huawei para implantar a tecnologia 5G. O'Brien afirmou em uma reunião no Brasil que, caso o País opte pela chinesa, dados do governo e de empresas podem ser "decifrados" pelos asiáticos.
Vinícius Rodrigues Vieira, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), avalia que Trump vai buscar gerar fatos que repercutam entre os eleitores americanos, principalmente pelo sentimento contra a China, que cresceu durante a pandemia. "O governo quer demonstrar que está pressionando o Brasil, maior mercado da América Latina, na cruzada contra os chineses."
Indefinição
Atrás nas pesquisas eleitorais na disputa contra o democrata Joe Biden (embora a distância entre eles tenha caído), Trump pode perder a Casa Branca em 3 de novembro.
Oliver Stuenkel, coordenador do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), concorda que negociar com Trump tem pouco ou nenhum peso, às vésperas das eleições. "É melhor esperar e negociar com quem quer que seja o presidente americano nos próximos quatro anos." Para Stuenkel, porém, a vitória democrata não traria grandes mudanças na postura americana de conter o avanço chinês.
Já Juarez Quadros, ex-presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), lembra que o Brasil tem a quinta maior rede de telefonia móvel mundial e é natural que seja uma peça de disputa pelo 5G, mas a concorrência está mais politizada que o normal. "Não é comum que concorrências desse tipo envolvam os líderes das maiores economias." Ele avalia, porém, que embora seja prudente esperar as eleições, a demora na definição do futuro do 5G no País deixa os brasileiros para trás em relação aos europeus e vizinhos, como o Uruguai.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.