Açúcar: O cachorro de Pavlov

Publicado 07.07.2025, 08:51
Atualizado 07.07.2025, 08:51

Todo mundo conhece a experiência clássica de Ivan Pavlov (1849-1936). O cientista russo tocava um sino antes de oferecer comida a um cachorro. Depois de algumas repetições, bastava o som do sino para o cão começar a salivar. Um reflexo condicionado. Estímulo, resposta. Simples, eficaz, previsível.

Agora, transfira esse experimento para o mercado do açúcar. Substitua o cachorro por gestores de risco. O sino? São os preços de mercado. E a comida? Oportunidades de fixação em patamares altamente rentáveis, como aqueles que vimos num passado recente combinando preços robustos em NY e real desvalorizado contra a moeda americana.

Pois bem: o sino tocou. Tocou alto e claro quando o açúcar estava a 22.50 centavos de dólar por libra-peso. Tocou de novo na época dos incêndios e seca. E mais uma vez em 22 centavos de dólar por libra-peso. Em valores nominais (sem corrigir pelo IPCA) vimos o mercado bater 2,900 reais por tonelada, depois 2,800 e depois ainda 2,500 preços bem remuneradores. Mas, ao contrário do cão de Pavlov, os responsáveis pela gestão de risco das usinas não salivaram. Não travaram. Não reagiram. O reflexo condicionado foi substituído por um comportamento mais... filosófico: “vamos esperar mais um pouco” — frase que já deveria vir com contraindicação no rótulo.

Agora, com o mercado rondando os 16 centavos — e o outubro/25 fechando a semana em 16.37 centavos de dólar por libra-peso (queda de 32 pontos ou US$ 7.00 por tonelada), o arrependimento é coletivo. O março/26 encerrou a 17.06 centavos, queda semanal de 30 pontos (ou US$ 6.60 por tonelada). O sino continua tocando — agora como alarme de incêndio.

É difícil acreditar que ainda existam gestores convictos de que repetir o mesmo comportamento resultará em algo diferente. Já passou da hora de retirar a subjetividade das decisões de fixação. Nenhum executivo tem bola de cristal — se tivesse, bastaria comprar na baixa e vender na alta duas vezes por semana. O que falta, de fato, é política de risco. É processo. É disciplina. Um sistema com gatilhos claros, baseado em métricas objetivas — seja o EBIT, seja qualquer outro indicador econômico que reflita a realidade da empresa.

A sensação de desgaste quando o mercado age de forma errática é visível. Os fundos estão regendo a orquestra desafinada com os fundamentos. Mas, quem se importa? A cacofonia machuca os ouvidos mais sensíveis. Os fundos provavelmente carregam uma posição líquida vendida próxima dos 120 mil contratos. É o que tudo indica, embora o feriado de 4 de julho tenha adiado a divulgação oficial dos dados pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities.

O que chama a atenção é que os fundos parecem confortáveis aumentando suas apostas na queda, mesmo com margens já bastante comprimidas. Ou seja, botar o mercado para cima é ilimitado, mas para baixo esbarra no custo de produção dos países e tem o momento desestimula cuidados culturais e acaba sinalizando que o mercado encontrou um chão.

Não há dúvida de que, neste momento, os fundos estão confortáveis e lucrando com suas posições vendidas. Mas há um ponto que merece atenção. Nas últimas quatro semanas, os fundos aumentaram suas posições vendidas em mais de 50 mil lotes — saíram de um short de 61.500 contratos para 113.000. Durante esse período, o mercado caiu 145 pontos. Ou seja, para derrubar o mercado 100 pontos, eles precisaram vender cerca de 35.500 lotes. Isso mostra que é necessário um volume expressivo de vendas para provocar uma queda de 100 pontos nos preços.

Agora, vejamos o cenário inverso. Em 13 de maio, os fundos recompraram 9.845 lotes e, com isso, o mercado subiu 78 pontos. Em outras palavras, para uma alta de 100 pontos, são necessários apenas 12.600 lotes comprados.

Isso nos leva a uma conclusão importante: derrubar o mercado exige uma quantidade maior de lotes talvez porque o nível de preços próximo ao custo de produção do mais competitivo dos produtores (Brasil) acende um alerta para a disponibilidade do produto para as safras futuras. Precisa ter coragem ficar vendido açúcar abaixo do custo de produção do Centro-Sul. Já a recompra de posições (short covering) tem um impacto mais direto e potente sobre os preços do que a venda.

Portanto, se os fundos decidirem zerar os 113.000 contratos que estão vendidos, é razoável estimar que o mercado possa subir pelo menos 400 pontos — considerando a média de impacto observada. Isso revela a vulnerabilidade da posição vendida atual e o potencial de movimento caso haja uma confirmação dos fundamentos, ou seja, menor moagem e menor disponibilidade de açúcar do centro sul. Fizemos a mesma analogia no final de 2023 e todos lembram o que aconteceu com o mercado.

Enquanto isso, os custos de produção sobem. Estimamos que o açúcar FOB Santos gira hoje em torno de 15.25 centavos por libra-peso, podendo chegar a 16 centavos para algumas usinas. Nenhum país concorrente chega perto desse nível de custo, o que reforça o Brasil como produtor mais competitivo. Mas custo baixo não garante suporte eterno. Se o preço de tela não remunera, o corte de cuidados no campo vem — e a conta chega na safra seguinte.

E aqui voltamos à analogia do Pavlov. Os preços estavam gritando. Os fundamentos apontavam para proteção. O mercado ofereceu, diversas vezes, oportunidades claras de fixação. Mas a resposta dos gestores de risco foi a de sempre: hesitação, expectativa, procrastinação.

Talvez o problema não seja o sino, nem o mercado. Talvez falte condicionamento. Ou memória. Ou uma coleira que dê choque toda vez que alguém disser “vamos esperar só mais um pouco”. O cachorro de Pavlov aprendeu em três tentativas, quantas serão necessárias para os gestores do açúcar?

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