A intimidade da economia brasileira com a inflação é algo que jamais pode ser menosprezada, faz parte da cultura e da memória da população e das práticas de repercussão imediata de comércio, então, permitir que o preço da moeda americana acelere o conteúdo de disfuncionalidade é turbinar o risco de o país ter um retrocesso nos avanços alcançados nos tempos recentes no quesito.
E como só acontecer nestes casos a retomada do espiral inflacionário se dá de forma mais intensa do que se conseguiu para controlá-la e colocá-la com viés de baixa.
Em tese, “brincar com fogo” no quesito é sempre temerário, pois os preços relativos da economia repercutem em cadeia de forma rápida e irreversível.
A tese “juro baixo dólar alto” pode provocar com a alta do dólar uma sinergia macabra de “juro insustentável baixo com dólar alto” e pode ficar complicado desfazer este nó com impactos inesperados no IPCA.
Há uma queda expressiva de fluxo cambial desde agosto, contudo o Brasil após sofrer a saída soberba de capitais estrangeiros especulativos face à queda substantiva do juro no país, sem que tenha havido concomitante atratividade compensatória para o refluxo com ingressos de investimentos estrangeiros com qualidade dada a ausência de fatores motivadores, tais como repercussão tardia e da perspectiva de crescimento econômico do país em 2020 e retardamento na implementação do programa de privatização de setores fundamentais de infraestrutura.
Ocorreu, portanto, um interregno entre os fluxos, pois não ocorrendo de forma concomitante causaram demanda intensa frente à oferta diminuta, que foi suprida pelo BC na forma “neutra”, ou seja, provendo liquidez mas operacionalmente sem contundência para equalizar a taxa cambial do país à sua efetiva realidade, levando a consolidação do preço com disfuncionalidade, que denotou ser o interesse da autoridade à época, e pela forma da intervenção dando sustentação à situação.
Ao final do ano o próprio mercado acabou por apreciar o real ante o dólar americano e o colocando na paridade R$ 4,01, tendo o BC desde então não mais promovido leilões “neutros” que dariam sustentabilidade ao preço naquele patamar, mas com o retorno à normalidade operacional retomando a demanda ainda sem contraposição da oferta como em perspectiva e com o BC ausente, embora houvesse anunciado que continuaria as intervenções em janeiro, o preço ganhou impulsão de alta e já chega a superar os R$ 4,10, deixando com certa evidência que o preço mais elevado interessa a autoridade monetária.
A atitude tem inúmeros prós e contras, que poderíamos analisar longamente, mas não nos parece que o momento sugira colocar a risco as conquistas recentes no controle do juro e até então da inflação, agora ameaçada pelo resultado do IPCA de dezembro e acumulado no ano, que pode deixar de ser tão pontual (carne) como posto nas análises, e se expandir pelos de principais preços da economia.
As perspectivas de recuperação do fluxo cambial persistem bem como da sensível melhora do fluxo cambial revertendo o quadro negativo recente, o país vem sendo recomendado por grandes instituições financeiras internacionais, mas o cenário não permite deslizes na gestão que possam neutralizar as expectativas.
O país tem a despeito do “gap” negativo no fluxo cambial uma situação absolutamente tranquila no mercado de câmbio, não se justificando a vulnerabilidade presente, que tem fortes sinais de indução especulativa consentida.