Acabei de reler o excelente livro "ludido pelo Acaso", de Nassim Taleb.
Taleb pra mim será difícil de ser superado na literatura financeira; ele consegue com maestria inserir a filosofia da Ciência no universo financeiro com uma capacidade singular; um gênio.
Pois sim, vez por outra, releio livros e autores que considero demarcações e divisores; Taleb e o livro "Iludido pelo Acaso" são um deles.
Taleb coloca questões e pessoas nos seus devidos lugares, o lugar da "sorte", do "Acaso", nada mais do que isso.
Ao relê-lo, me veio a mente rapidamente o Brasil dos últimos 10 anos.
O Brasil hoje é saudado no meio internacional como um "porto seguro", um país onde, em tese, vai resolver todos os problemas das multinacionais, um país que estaria "livre" do cenário sombrio que ronda a Europa e, em menor grau, os Estados Unidos.
Olhado mais de perto, e parafraseando Taleb, o Brasil nada mais é do que um país "Iludido pelo Acaso".
O Brasil não está na posição que está por "competência" dos seus governantes, aqueles mesmos que passaram 2 décadas sugerindo calotes nas dívidas externa e interna.
O Brasil de hoje é produto da "sorte", do "acaso", do boom das commodities que emergiu ao longo dos anos 2000, provocado em parte pela inserção da China a uma inimaginável "economia de mercado" para os "neo-comunistas", e em parte, por conta da promoção de uma política baixista das taxas de juros de longo prazo dos Estados Unidos.
Abaixo, podemos ver parte da correlação do boom de algumas commodities em relação a taxa de juros de longo prazo norte-americana nos últimos 10 anos:
O espaço em questão não permite aprofundarmos em cruzamento de dados, porém, é fato que o Brasil foi fortemente beneficiado por esse boom; reservas internacionais superaram a marca de US$ 350 bilhões, a economia engatou um forte crescimento do PIB a partir de 2004, apenas momentaneamente estopado em 2009, a taxa de desemprego caiu pra patamares históricos, enfim, importantes ganhos econômicos.
Contudo, é bom lembrar, que não somente o Brasil foi beneficiado, temos inúmeros outros exemplos a se resgatar.
Por outro lado, uma análise menos superficial, mais ampla, e longe de ufanismos e desvios ideológicos, carrega o Brasil para um ponto vulnerável.
No estágio atual, não falamos apenas de uma crise da dívida soberana da Grécia. Outros países do mundo possuem nesse momento ratios de dívida publica /PIB "desconfortáveis". Apenas para efeito de ilustração, vejam abaixo alguns desses ratios:
Crises soberanas de dívidas não sáo meros calotes de nações endividadas.
Há uma correlação consistente entre crises bancárias e crises soberanas de dividas, concluem 2 dos principais pesquisadores de crises financeiras internacionais, Reinhart , professora na Universidade de Maryland e Rogoff, professor em Harvard, em paper recente de maio/2010, publicado no National Bureau of Economic Research (o trabalho foi reproduzido parcialmente no livro escrito por ambos, "Oito séculos de delírios financeiros") .
No trabalho, Rogoff e Reinhart destacam, entre outros pontos, que, entre 1800 e 2009, ocorreram 290 crises bancárias e 209 defaults de países ricos, emergentes e em desenvolvimento.
Isto é, corremos sim um risco considerável de crise bancária; e dessa vez, no coração do sistema capitalista.
Pra termos uma idéia do que poderíamos sofrer com crises bancárias e defaults de países ricos em série, basta olharmos o passado recente, mais precisamente as crise bancárias e de dívida soberana presenciadas no final da década de 90, mais precisamente a Crise Financeira da Ásia em 97 que levou a Crise da moratória da Rússia e da Argentina em 98 e 99.
Vejam abaixo o quanto o Brasil sofreu com o PIB nesse período 97-99. Reproduzimos também, pra efeito de comparação, o efeito sobre algumas commodities no mesmo período:
E o que tem feito o Brasil ? Jogado para platéia, interna e externa; brincado com a sorte, com o "acaso".
Já expus aqui em outro artigo que nunca tivemos tão vulneráveis e dependentes das commodities, como hoje.
Vejam o quadro abaixo, onde fica claro que nosso percentual de manufaturados na pauta de exportações caiu para um patamar de 40% aproximadamente, mesmo nível do início dos anos 80.
Fonte: tradingeconomics
Em outro gráfico abaixo , fica claro o quanto temos sido irresponsáveis com os gastos públicos, mais especificamente, "gastos com pessoal e encargos", imaginando que a era das "receitas fáceis" durarão pra sempre:
Passamos de uma média mensal com gastos de "pessoal e encargos" de 3-6 bilhões de reais no período 97-2001, para uma média mensal de 12-15 bilhões de reais no período 2009-2011. Um aumento de cerca de 300% em praticamente 10 anos ! Como, e quem vai pagar tal aumento exponencial de gastos com pessoal, e posterior impacto direto na previdência pública nos próximos anos, diante de um quadro, no mínimo, desafiador em termos de arrecadação tributária ?
O que fizemos nos últimos 10 anos pra enfrentar um cenário, com menos exportações, menos consumo, menos crédito, mais calotes soberanos e possíveis desdobramentos cambiais ?
Acabei de ver o filme "Dama de Ferro", onde fica claro que existem gerentes e governantes que buscam não serem "enganados pelo acaso". O caminho é mais árduo, mais lento e, raramente, é percebido positivamente no médio prazo.
Tivemos apenas sorte nos últimos 10 anos, puramente sorte de haver uma explosão das commodities que nos beneficiou em várias direções.
O Brasil dos últimos 10 anos é um típico caso de um país "Iludido pelo Acaso"
O problema da sorte, do "acaso", é que eles não duram para sempre.