Independentemente da ideologia que comanda o país, um traço tem se revelado recorrente: a aversão à autonomia das autoridades monetárias. De Bolsonaro a Lula, passando agora por Donald Trump, presidentes de diferentes espectros políticos demonstram incômodo com o papel independente dos bancos centrais. A figura do presidente da autoridade monetária tem se tornado um alvo previsível em tempos de tensão fiscal e ciclos eleitorais. Afinal, nada mais impopular do que um técnico que resiste à tentação de "estimular a economia" com expansão da base monetária na “canetada”.
No Brasil, Roberto Campos Neto sentiu essa pressão por todos os lados. Durante o governo Bolsonaro, foi criticado por elevar a Selic de 2% para 13,75% em plena corrida eleitoral de 2022. Uma decisão tecnicamente necessária para conter uma inflação crescente, mas politicamente indigesta, já que o encarecimento de crédito impactou não apenas os desejos do ex-presidente, mas indicadores importantes da economia. Já sob Lula, as críticas assumiram uma roupagem ainda mais agressiva: pressão pública, ironias, ameaças veladas de substituição. Mesmo assim, o Comitê de Política Monetária (Copom), com integrantes indicados inclusive pelo atual governo, iniciou cortes na taxa de juros quando as condições permitiram, reduzindo a Selic para 10,5% no segundo semestre de 2024.
No entanto, a própria gestão fiscal do governo minou essa trajetória. Com populismo fiscal, aumento expressivo de gastos, programas de difícil mensuração de impacto, como o novo PAC, e acordos políticos com forte custo orçamentário, o risco fiscal do país aumentou drasticamente. O resultado foi previsível: deterioração das expectativas, fuga de capital e de investimentos, pressão inflacionária e um movimento reverso do Banco Central, que foi forçado a retomar a alta de juros, encerrando 2024 com a Selic em 12,25%.
Esse tipo de embate revela um conflito estrutural: governos são movidos por incentivos eleitorais e, por isso, tendem a gastar para estimular a economia e agradar seus eleitores. Já os bancos centrais operam com outra lógica. Eles agem para conter excessos, mesmo que isso implique frear o crescimento no curto prazo. É o chamado “paradoxo fiscal-monetário”: enquanto a política fiscal pisa no acelerador, a política monetária precisa puxar o freio de mão.
O principal instrumento de atuação dos bancos centrais é a taxa básica de juros — no Brasil, a Selic; nos EUA, a Federal Funds Rate. Essa ferramenta regula a liquidez da economia, desestimula o consumo e o crédito quando necessário e, idealmente, ancora as expectativas de inflação. E aqui reside um ponto-chave: o Banco Central precisa ser impopular quando necessário. Ele atua no tempo da economia, não no tempo da política.
Nos Estados Unidos, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, também é alvo frequente de críticas de Donald Trump, que já ameaçou sua autonomia no passado e voltou a fazê-lo em recentes declarações de campanha. Em economias maduras ou emergentes, a tensão entre política e técnica sempre existirá. A diferença está na capacidade das instituições resistirem à pressão.
Outro fator essencial nesse debate é a credibilidade. A confiança na autoridade monetária é o ativo mais valioso para qualquer país. Quando o mercado acredita que o Banco Central agirá com responsabilidade, os juros futuros caem, o dólar se acomoda, os investimentos fluem. Quando essa confiança se esvai, o custo é imediato: fuga de capitais, aumento da volatilidade e deterioração da moeda.
Por fim, é fundamental lembrar: a alternância de poder é própria da democracia. Mas instituições como o Banco Central precisam ter continuidade, previsibilidade e blindagem contra arroubos ideológicos. A autonomia da autoridade monetária não é um privilégio técnico. É um pilar de estabilidade, de proteção ao poder de compra da população, especialmente dos mais pobres, que são os primeiros a sofrer quando a inflação foge do controle.
Quando a política tenta domar o que deveria ser técnico, todos pagam a conta, com juros, inflação e instabilidade. Principalmente os mais pobres e os mais desavisados – mais de 90% da população brasileiro.
Qual é a sua opinião sobre a autonomia do Banco Central?