Publicado originalmente em inglês em 02/10/2020
O presidente Donald Trump afirmou que ele e a primeira-dama Melania entraram em quarentena depois que ambos testaram positivo para a covid-19. O ouro, no entanto, na sua condição de porto seguro, principalmente em momentos como esse, não reagiu imediatamente. Por quê?
Um dia depois de voltar ao importante patamar psicológico de alta a US$ 1.900 por onça, o lingote e os contratos futuros do metal amarelo negociados em Nova York enfrentaram dificuldades inicialmente na sexta-feira, entregando a maior parte dos ganhos conseguidos nas últimas 24 horas.
Embora o ouro tenha ficado positivo pouco tempo depois, foi interessante ver que as perdas iniciais, que começaram logo após a abertura da janela de negociação na Ásia, na sexta-feira, intensificaram-se com os tuítes de Trump, primeiro sobre sua auxiliar infectada Hope Hicks, depois sobre sua condição e a da primeira-dama.
Se o ouro não conseguir disparar instantaneamente com a notícia de que o presidente dos Estados Unidos foi infectado pelo vírus, para onde então irá o metal?
Antes de responder a essa questão, vale a pena notar que foi o dólar que decolou no início de sexta-feira no lugar do ouro, retornando para o terreno positivo após dois dias no vermelho. A moeda americana continua sendo a sensação entre os portos seguros, apresentando uma força que tem desafiado o senso comum nos últimos dois meses.
O Índice Dólar vem ganhando força desde o início de agosto, apesar do aumento do déficit fiscal nos EUA para combater a disseminação do coronavírus, uma recessão recorde, o desemprego histórico e outras patologias econômicas geradas pela pandemia.
Um rali à revelia da lógica no DX, como o índice também é conhecido, é a principal razão para a incapacidade do ouro de recapturar as máximas de US$ 2000 perdidas em agosto.
Agora, com a saúde do presidente em risco, o dólar continua acelerando.
Mas, voltando à questão: O que fará com que o ouro se comporte como o ativo de proteção que deveria ser, não só neste momento de distúrbios financeiros, mas também de risco político?
A resposta, que está ficando cada vez mais patente, é outro estímulo econômico nos EUA.
Como viciados incapazes de largar sua droga preferida, os investidores do ouro continuam presos ao efeito narcótico do alívio monetário e à desvalorização do dólar subsequente a cada exercício de flexibilização.
Ainda que seja possível argumentar que o mesmo pode ser dito das ações, estas têm subindo muitas vezes graças a um conjunto de notícias. Além da queda do dólar, o ouro alimenta outra ideia fixa: estímulo, estímulo, estímulo.
Era comum que mísseis disparados no Oriente Médio ou testes realizados pela Coreia do Norte fizessem o ouro subir US$ 20 por onça facilmente. O chamado porto seguro acabou ficando insensível a tudo isso agora.
A flexibilização quantitativa do Federal Reserve, iniciada após a crise financeira de 2008/09, mudou em grande medida a atitude dos investidores do ouro. Desde que seja possível fazer dinheiro fácil – ou preguiçoso –, eles raramente se animam.
A razão para o ouro atingir as máximas históricas perto de US$ 2.090 por onça em agosto, a partir da mínima de sete meses um pouco acima de US$ 1.458 em março, foi a lei de segurança econômica e combate ao coronavírus (CARES, em inglês) e suas prorrogações aprovadas pelo congresso americano no primeiro trimestre. Como os US$ 3 trilhões injetados no segundo trimestre secaram, é necessário mais alívio, e os investidores do ouro não veem a hora de ouvir o barulhinho das caixas registradoras.
Isso, no entanto, não aconteceu por causa do acirramento político antes da eleição presidencial de novembro.
Os republicanos alinhados a Trump e os democratas opostos ao presidente entraram em um impasse quanto a um pacote subsequente ao CARES desde então, discutindo o tamanho do próximo alívio, à medida que milhares de americanos perdem seus empregos devido à falta de auxílio, principalmente no setor aéreo.
Trump, que tenta a reeleição em 3 de novembro, acusou a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, de brincar com a questão. Pelosi retrucou dizendo que qualquer acordo deve favorecer os americanos, e não as ambições políticas de Trump.
Desiludido com tudo isso, o ouro afundou até a mínima de dois meses a US$ 1.852 em setembro. Mesmo assim, registrou uma notável valorização de 5% no terceiro trimestre.
Depois de tantas idas e vindas no congresso, parece que um acordo deve ocorrer nesta semana, depois que o secretário do tesouro, Steven Mnuchin, disse na quarta-feira que vem tendo uma comunicação “produtiva” com Pelosi em relação a um novo estímulo.
Em uma coletiva de imprensa na quinta-feira, a presidente da câmara confirmou que mantém tratativas com Mnuchin e que falariam novamente no fim do dia. Ela também disse que esperava levar para votação no congresso naquele dia a revisão da lei de combate ao coronavírus de US$ 2,2 trilhões se os democratas e republicanos entrassem em comum acordo em reação a deduções tributárias.
Desde o fim de agosto, Pelosi vem tentando fazer a Casa Branca concordar uma lei de recuperação econômica e de proteção sanitária chamada HEROES, proposta originalmente pelos democratas com o valor de US$ 3 trilhões, mas que depois foi reduzido para US$ 2,2 trilhões e agora passa por novas revisões.
Não por acaso, os preços do ouro dispararam com a notícia, atingindo a máxima do pregão um pouco abaixo de US$ 1.918 no início da tarde da última quinta-feira na COMEX. No fim do dia, os investidores do ouro ficaram desiludidos novamente com Pelosi dizendo que não havia avançado com Mnuchin. A reversão se estendeu até as negociações desta manhã na Ásia, com a mínima do pregão em cerca de US$ 1.895.
Em um comentário emitido no fim do dia de ontem, a FX Street questionou se a eleição do próximo presidente dos Estados Unidos era tão importante para os mercados quanto a aprovação de um novo estímulo pelo congresso.
Joseph Trevisani, do FX Street, afirmou:
“Acho que os mercados estão acompanhando as tratativas sobre o estímulo. Os mercados adoram o dinheiro do governo”.
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