Saudações.
Uma das minhas obsessões pessoais é sempre questionar: esse sujeito acredita, de fato, em cada palavra do que ele está dizendo - ou esse discurso é um automatismo?
Isso se aplica, inclusive, quando o sujeito sou eu.
Pessoas mais próximas, principalmente aquelas nas quais me sinto autorizado a dar broncas (e elas são em maior número do que deveria, pois vivo tropeçando nos tapetes das etiquetas...), bem sabem o quanto insisto na importância de que cada palavra dita seja expressão genuína do que cada um carrega dentro de si.
Isso me é, por vezes, um fardo - tanto na vida pessoal quanto profissional. Sinto-me, não raro, na obrigação de dizer coisas que as convenções sociais sugeririam ser melhor deixar quieto, ou que pouco ou nenhum benefício a mim trazem: arco com custos individuais em prol de benefícios difusos.
Hoje é dia.
No campo profissional, especificamente, isso se traduz em uma postura extremamente crítica em momentos nos quais percebo movimentos contagiantes de otimismo ou pessimismo: você está bullish / bearish por força de suas próprias convicções ou por causa do vizinho? Ou por conta de o IBOV estar na máxima/mínima de 52 semanas?
Longe de mim sugerir que qualquer homo sapiens (ou mulher sapiens, como diria nossa "eterna" Presidenta) é autarcia: somos seres sociais, mas também pensantes. A opinião do entorno nos influencia, mas é imperioso que sempre questionemos se ela não está substituindo a nossa própria.
No caso específico daqueles que optaram por exercer o ofício de analista, o buraco é um pouco mais embaixo: o papel do analista é ter opinião, não compilar a opinião alheia ou - tanto pior - opinar que tanto faz.
Isso se manifesta de várias formas, que já vi ( e sim, já vivi - longe de mim sugerir que sou perfeito) em diversos momentos da minha trajetória:
Perguntado sobre algo que não sabia responder, eu já chutei; eu já enrolei com alguma resposta genérica; eu já montei na minha própria cabeça um Frankenstein com retalhos de coisas que ouvi por aí e falei, na hora, como se aquilo fosse uma ideia original minha sobre a qual havia pensado profundamente por muito tempo;
Eu já fiz recomendação com base em ideia que me foi passada "por aí" sem citar a fonte, deixando erroneamente subentendido que eu havia feito uma lição de casa que não fiz;
Eu já fiz projeções com premissas nas quais não acreditava porque a ação havia subido e, ao invés de rebaixar de buy para hold, eu queria continuar com buy;
...e já vi isso tudo ser feito dezenas, centenas, milhares de vezes. E continuo vendo.
E muita, muita gente genuinamente boa e competente, dizendo que isso tudo faz parte do business.
Tá errado.
Antes que alguém pergunte, me antecipo: se estou reconhecendo isso tudo publicamente, é porque já faz muito tempo que me redimi. Mas não, não posso posar de bastião das virtudes e fazer de conta que nasci como sou hoje. Confie em mim quem quiser, consciente do que já fui e já fiz.
Por que esse assunto convém agora?
Temos aí o Ibovespa atingindo novo recorde histórico em termos nominais.
Existe uma miríade de argumentos que relativizam a relevância disso, e concordo com grande parte deles: atualizado pelo IPCA, o índice está ainda longe da máxima; vi alguém afirmar que, se consideradas as mudanças na sua carteira teórica ao longo do tempo, nem nos 50 mil deve ter chegado - confesso que não chequei esse dado, mas pouco importa. Mas nenhum deles afasta o fato de haver, sim, um componente psicológico relevante na superação da marca histórica.
Já antevejo uma revista cuja capa traga o Cristo Redentor decolando como um foguete, num futuro próximo. Déjà vu.
Refiro-me, aqui, ao bom e velho medo de ficar de fora; ao "efeito William Bonner"; à inescapável atração que a bolsa exercerá nesses níveis por conta da sensação coletiva de que sim, agora vai.
Esse é o momento de risco máximo de abandono de convicções para adoção de todos esses comportamentos nefastos que descrevi aí em cima.
Estou sugerindo correr para as colinas? Estou afirmando que a bolsa está cara? Não.
O que estou sugerindo é atenção para o risco de achar que tudo é bom, tudo é barato, tudo merece ser revisado para cima, tudo merece subir... porque se o único argumento em favor de melhorar algum número for "ahn... é que estamos em um bull market", desculpe-me: você não tem nada na mão.
A você, investidor, meu conselho é simples e vale sempre: seja crítico em relação às opiniões que lê no mercado. Busque contrapontos. Compare. Desconfie dos consensos universais; desconfie quando as opiniões são eternamente positivas sobre tudo - nada de ruim acontece com empresa nenhuma?
Se o cara tem buy numa ação e a empresa faz uma cagada, ele tem coragem de dar a real e ser posicionar, ou floreia o discurso?
Analista não pode ter medo de errar; não pode ter medo de bater no peito e dizer "olha, gente, eu errei por esse e esse motivo". Dar opinião em público não é para covardes.
E faço um adendo: pouca gente no mercado tem coragem de falar mal das empresas, e há razões práticas para isso. Emitir opiniões negativas, mesmo quando pertinentes e feitas de maneira adequada, não raro prejudica o relacionamento com a companhia, o que acaba se traduzindo em represálias dos mais diversos níveis.
Todo analista já passou por isso - eu, inclusive. Mas isso faz parte do jogo; isso faz parte do dever fiduciário que o analista tem para com o público investidor. Não quer brincar, não desce pro play.
Aos colegas analistas, meu convite: vamos começar a dar a real, publicamente, sobre o que não nos cheira bem?
Pense nisso.
Quero também alertar que, amanhã (dia 12), a Inversa atenderá ao pedido de muitos leitores. Fãs de Ivan Sant'Anna, não deixem de conferir as suas caixas de e-mail e conferir a essa novidade!
E cuide-se: tem uma guerra lá fora.