As manchetes não poderiam ser piores. Inflação galopante, desemprego em níveis ainda altos, queda nos índices de confiança do consumidor, juros para cima e, para completar, uma guerra. Além de toda questão humanitária envolvida, colocou-se novamente na mesa um potencial desbalanceamento de diversas cadeias produtivas.
Digo novamente, pois, para quem não se lembra, a crise do coronavírus deslocou todas as engrenagens da máquina global. Os gargalos criados por conta da parada de produção de determinadas cadeias de suprimentos se alastraram em quase todas as indústrias. A falta de chip afetou a produção de carros, que tiveram seus preços elevados, dificultando a reposição de frota das companhias, que, por sua vez, viram suas margens se deteriorarem por conta do aumento nos custos de manutenção, e assim por diante.
Desta vez, as sanções aplicadas pelos países e empresas devem levar ao rápido enfraquecimento da Rússia — ventila-se que a perda de PIB em termos reais pode ser de 10% a 20%. De acordo com algumas pesquisas, a Rússia é responsável pela produção global de 10% (petróleo) a 40% (paládio) de diversas commodities, bem como pelo fornecimento de gás natural para grande parte dos países europeus. Como consequência da disparada dos preços das commodities, espera-se também um aumento da inflação global e um novo desbalanceamento das cadeias de suprimento.
Obviamente, não se trata de uma boa notícia para o Brasil, um país cujo PIB possui uma representatividade de 28% do setor agrícola, que importa 80% de seus fertilizantes e que já convive com inflação alta há muito tempo. Contudo, como grandes gestores gostam de lembrar: Bolsa não é PIB.
Por termos uma composição mais concentrada em bancos e empresas de commodities e que ainda por cima são líderes de seus segmentos, bem geridas (na média) e com um dos menores custos de produção global, é de se esperar que o Ibovespa não sofra tanto. Aliás, no ano, a Bolsa brasileira vem se beneficiando de três principais fatores e sobe 9% no ano, contra quedas de 15% e 9% de Nasdaq e S&P 500, respectivamente.
O primeiro ponto está relacionado à rotação global da carteira dos investidores, de empresas de crescimento para as de valor, coisa que já vem acontecendo há alguns meses, haja visto a forte queda de empresas de crescimento sem rentabilidade como Lemonade (-89%), Peloton (NASDAQ:PTON) (-86%), Robinhood Markets Inc (NASDAQ:HOOD) (-84%) e Pinterest (NYSE:PINS) (-73%) desde suas máximas.
O segundo fator está relacionado à composição do índice Bovespa. As maiores posições são Vale (VALE3 (SA:VALE3)), com 17,5% de participação, e Petrobras (SA:PETR4 e PETR3 (SA:PETR3)), com 11,7%. Somadas, temos quase um terço do índice em duas companhias cujas commodities associadas estão renovando suas máximas dos últimos anos. Como base de comparação, a participação das duas em 2021 era de 22% e em 2016 era de 11%. Caso esse cenário se mantenha, veremos uma maior concentração dessas companhias e um Ibovespa ainda forte. Na noite de ontem (6), o barril de petróleo tipo Brent subia mais 10% em função do acirramento do conflito na Ucrânia e da possibilidade de embargo ao petróleo russo.
Por fim, a retirada da Rússia da composição de ETFs focados em mercados emergentes poderá implicar um aumento de fluxo gringo para o Brasil — não custa lembrar que, por ora, já recebemos R$ 62 bilhões no ano, mais da metade dos R$ 102 bilhões que ingressaram durante todo o ano passado.
Embora a Bolsa como um todo esteja barata, é através do “stock picking” que virá a grande diferenciação. Nesse contexto, uma das minhas principais convicções é Metalúrgica Gerdau (SA:GGBR4) (SA:GOAU4)), que negocia a múltiplos atraentes, teve o seu melhor resultado anual em 2021, se beneficia do movimento de descarbonização do setor e, mais recentemente, da escalada do preço do aço em função da guerra. Afinal, a Rússia foi o quinto maior produtor de aço bruto no ano passado e está na lista dos principais exportadores líquidos globais.
Forte abraço