SÃO PAULO (Reuters) - Falar com propriedade do cataclismo econômico mundial causado pela crise financeira nos Estados Unidos em 2008 para público leigo é, por si só, uma tarefa hercúlea. Tornar isso uma comédia, sem perder credibilidade ou a complexidade dos fatos reais, é um trabalho, sem dúvida, ainda mais impressionante, tornando "A Grande Aposta" um filme surpreendente.
O diretor Adam McKay, cujo roteiro co-escreveu com Charles Randolph (de "A Intérprete"), extrai a densidade do livro "The Big Short", do irônico escritor americano Michel Lewis, e molda essa história com elementos cômicos consistentes em sua filmografia ("O ncora" e "Os Outros Caras", esquetes para a série de TV "Saturday Night Live"), além de referências culturais ultra pop nas personas e no estilo.Não por acaso, quem narra a história inicialmente é Jared Vennett (Ryan Gosling), um canalha que conversa cinicamente com o espectador, como o personagem Belfort (Leonardo DiCaprio) fez em "O Lobo de Wall Street" (de Martin Scorsese, em 2013). Ele é um dos quatro protagonistas que percebem, ainda no começo da década de 2000, que existia uma bolha financeira no setor imobiliário, nos Estados Unidos. Quem primeiro a descobre, na verdade, é Michael Burry (excepcional trabalho de Christian Bale), gerente de um fundo bilionário, cujo insucesso social só é superado pela avidez com que compreende números para trazer os mais altos dividendos aos seus acionistas. Consciente da crise que o mercado imobiliário causaria, arma-se com apólices de seguros contra o não-pagamento de hipotecas. Vennett percebe a aposta de Burry, e chama o histérico Mark Baum (Steve Carell) e sua trupe para investir seguindo o mesmo princípio de apostar contra a base supostamente mais sólida da economia americana. As reuniões desse grupo lembram um pouco trechos da série de TV nonsense "The Office" (da qual Carell inclusive fez parte). Por fora, há o ex-banqueiro new age Ben Rickert (Brad Pitt) estimulado pela dupla um tanto trapalhona de investidores "café pequeno" Charles Geller (John Magaro) e Jamie Shipley (Finn Wittrock). Eles funcionam como mais um ponto de humor para a trama. Quando o assunto gira muito no economês, Adam McKay oportunamente incrementa sua narrativas com tutoriais, que explicam irônica e didaticamente os termos. E o faz, por exemplo, recrutando a cantora Selena Gomez, que em um cassino, ensina tudo sobre CDOs sintéticos, em uma estética e linguagem encontradas em sites de comédia, como americano Funny or Die. Ao caminhar para o ato final, o filme, no entanto, torna-se mais sério, até porque o espectador acompanha a reflexão de Mark Baum sobre o quão profundo é o estrago da crise e, claro, sua própria conduta em receber a parte que lhe cabe em seu investimento, a partir da aposta na falência institucional, na crise social e numa imensa instabilidade mundial. E nisso, McKay, sensatamente, não encontra nenhuma graça.
(Por Rodrigo Zavala, do Cineweb)
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