SÃO PAULO (Reuters) - Em “Meu Amigo Hindu”, o cineasta argentino naturalizado brasileiro Hector Babenco fala de duas coisas que adora: ele mesmo e o cinema.
O filme, assumidamente autobiográfico, traz como protagonista um diretor de cinema chamado Diego (Willem Dafoe), enfrentando um câncer linfático – tal qual Babenco, nos anos de 1990. Quando confrontado pela Morte (Selton Mello), ele expressa apenas um desejo: realizar mais um filme. Já o título vem da referência a um garoto indiano que conhece nos EUA, também passando por um tratamento, e juntos encontram uma saída lúdica para enfrentar a doença.
Depois do diagnóstico, quando é informado de que lhe restam poucos meses de vida, o protagonista casa-se com Lívia (Maria Fernanda Cândido), sua namorada de longa data, e viaja para os Estados Unidos, onde fará um tratamento doloroso e um transplante de medula. O doador é Antonio (Guilherme Weber), irmão com quem há muito não fala. Acompanhamos, então, no roteiro assinado pelo próprio diretor, a longa jornada de recuperação de Diego, uma figura difícil, especialmente pelo seu egocentrismo e arrogância.
Dafoe faz um esforço hercúleo para ganhar nossa simpatia pelo personagem – e, em alguns momentos, até consegue. Mas não há um respiro: são duas horas de filme em que ele está em cena a todo momento, e, o que é mais complicado, vemos o mundo pelos seus olhos, e não é um olhar muito interessante, e isso não tem nem a ver com a sua condição de doente.
Falado em inglês, “Meu Amigo Hindu” encontra um grande empecilho nas atuações travadas de seus principais personagens (excetuando Dafoe, claro) – como a própria Maria Fernanda Cândido, Bárbara Paz (que interpreta uma personagem que é praticamente ela mesma) e Reynaldo Gianecchini, como um médico inspirado em Dráuzio Varella.
O estranhamento não vem de ver rostos conhecidos atuando numa língua que não é deles, mas exatamente do visível desconforto de boa parte do elenco em falar um idioma que não domina. Babenco os cerca, então, de coadjuvantes talentosos, que se destacam apesar do pouco tempo em cena – como é o caso de Denise Weinberg (a mãe de Diego), Dan Stulbach (um cineasta esculachado pelo protagonista), Tuna Dwek (uma amiga ousada), Gilda Nomacce, Cristina Mutarelli, e Ary Fontoura (convidados na festa). O filme também será lançado em cópias faladas em português – cada ator dublou a si mesmo; e Dafoe foi dublado por Marco Ricca.
Já as personagens femininas, por sua vez, existem apenas para satisfazer sexualmente o protagonista. Algumas mal abrem a boca, e já estão inexplicavelmente na cama com ele – como é o caso de uma indiana que ele segue na rua. Aparentemente, o charme dele é irresistível.
Diego funciona como uma força centrípeta no filme, e tudo irradia dele. Enfim, tudo é visto a partir de seu ponto de vista. E sua visão de si mesmo não é nada modesta. Exemplos não faltam de momentos auto-congratulatórios: quando um irmão diz ao outro que Diego merece a posição que alcançou porque se esforçou e conseguiu tudo sozinho; ou quando ele sugere ao seu médico escrever um livro sobre suas experiências tratando de detentos do Carandiru (referindo-se a “Estação Carandiru”, publicado em 1999, que foi adaptado para o cinema pelo próprio Babenco em 2003), ou quando a própria Morte diz, encantada, que nunca esteve perto de um artista, num momento em que jogam xadrez.
Essa, aliás, é uma das cenas em que grandes momentos do cinema se materializam no filme. Isso também acontece no inspirado final – ao som da canção de “Cantando na Chuva” –, mas, aí já é tarde demais para ganhar o coração e a simpatia.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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