Javier Otazu.
Casablanca (Marrocos), 22 mar (EFE).- "Mesmo que meu pai me perdoe algum dia por ter dado à luz sendo solteira, vou continuar sendo a vergonha do meu bairro por ter manchado a honra da minha família. Não tenho esperança de voltar para minha casa e que meus familiares aceitem meu filho".
O relato é de Amal, que ficou grávida com 23 anos e foi abandonada pelo namorado após a descoberta da gravidez, mas a jovem, no entanto, não pensa em delatá-lo: "Primeiro, porque é casado; segundo, porque, se revelar seu nome, meus irmãos irão matá-lo, e já dei muitos problemas para minha família".
A primeira providência de Amal, como a de todas as mães solteiras, foi fugir de sua casa até chegar a Casablanca, a grande metrópole marroquina onde uma mulher com um pecado no ventre pode encontrar o anonimato e uma mão amiga.
Após passagem por uma instituição de freiras que ajudam discretamente mulheres como ela, agora está sendo amparada pela Solidariedade Feminina (SP), organização pioneira na defesa das mães solteiras.
Aicha Chenna, fundadora da organização, disse que a cada dia nascem no Marrocos 100 crianças fora do casamento, das quais 24 são abandonadas, o que indica que 11,4% dos bebês são filhos de mães solteiras.
A situação melhorou um pouco para as mães solteiras nesse país: elas já não têm obrigação de inscrever seu filho com o "X" como sobrenome; e desde 2004, com a reforma do Código da Família, podem dar a eles um sobrenome fictício que esconda sua condição de bastardos.
Mas Aicha reclama que a lei "está em mãos de funcionários que com frequência complicam muito as coisas" para as mães solteiras: por exemplo, o habitual é que não aceitem fazer o exame de DNA (muito caro e sempre pago pela mãe) para comprovar a paternidade e exijam "certificados de noivado" inexistentes.
Algumas jovens têm histórias ainda mais terríveis do que a de Amal: como Nezha, de 24 anos, cabeleireira e analfabeta, grávida após ser estuprada por três desconhecidos ao sair de seu trabalho, que também fugiu de sua casa por medo do irmão "agressivo e drogado", mas decidida a criar sozinha uma filha que já tem 24 dias de nascida.
A opinião pública é implacável com as mães solteiras (com frequência comparadas a prostitutas), e muitas famílias preferem recorrer ao aborto antes que a barriga da jovem manche a reputação de seus parentes, lamentou Aicha.
Uma vez, a diretora da Solidariedade Feminina ouviu uma mãe solteira dizer que detestava seu filho sob o seguinte argumento: "Não posso dar amor a ele, porque só recebi ódio em minha vida".
A principal preocupação dessa organização é dar dignidade às mães solteiras e reforçar sua auto-estima, ensinando essas jovens durante três anos a ler, caso sejam analfabetas, além de um ofício enquanto seus filhos ficam em uma creche. Depois desse período, devem ser capazes de viver por sua própria conta.
Há nesse momento 40 jovens com seus filhos amparados pela instituição em três centros de Casablanca. Cada mulher custa a Solidariedade Feminina cerca de 400 euros, com metade do valor financiado pela organização e o restante oriundo de doações.
Aicha Chenna recebeu no ano de 2000 ameaças, por telefone e por escrito, de grupos islâmicos que a acusavam de difundir o adultério, mas nem por isso deixou a instituição: sendo neta de um teólogo muçulmano, gosta repetir que "Deus cria como quer, com quem quer e quando quer", e apoia seus argumentos com versos do Corão.
"Aqui há muita hipocrisia: os islâmicos usam a religião como bem querem, mas descobri que também existem entre eles mães solteiras e homens que se acham virtuosos e depois abandonam a mulher", indicou.
No entanto, o próprio rei Mohammed VI entrou em contato com Aicha para pedir que continue com seu trabalho e doar 200 mil euros para sua associação, enquanto uma fundação americana a agraciou com o renomado Prêmio Opus, com um quantia de US$ 1 milhão.
A semente da Solidariedade Feminina germinou e agora há mais de 15 associações no Marrocos que ajudam mães solteiras. A vida continua sendo difícil para elas, a sociedade continua olhando para elas com desdém, mas várias das que passaram pela Solidariedade Feminina são agora cozinheiras e até motoristas de caminhão.
Aicha afirmou que cada vez mais se encontram casos de famílias que perdoam o "deslize" de uma jovem e permitem que uma criança tenha um lar sem ser considerada maldita. EFE