É evidente que, em diversos indicadores econômicos e de mercado, as criptomoedas têm conquistado crescente atenção dos agentes econômicos atualmente, incluindo economistas e formuladores de políticas.
Compreender os fatores (além dos especulativos) que impulsionam sua adoção é importante para antecipar tendências econômicas e desenvolver políticas regulatórias adequadas.
Nesse contexto, o artigo "Does Sovereign Default Risk Explain Cryptocurrency Adoption? International Evidence from Mobile Apps" (Ahmed, Karolyi, e Rostami, 2024) apresenta uma análise detalhada sobre a influência do risco soberano na adoção de criptoativos.
Os autores investigam a relação entre o risco de default (calote) soberano, ou seja a probabilidade de um país não pagar suas dívidas, e a adoção de criptomoedas.
Analisando o Estudo
Os pesquisadores analisaram dados de 19 países do G20, cobrindo o período de agosto de 2015 a junho de 2022, para identificar os fatores que impulsionam a adoção de criptomoedas.
Eles usaram como indicadores principais os downloads de aplicativos móveis e os usuários ativos mensais (Monthly Active Users - MAU), medidas que refletem o uso de criptoativos por diferentes populações.
Os dados foram cruzados com spreads de CDS (Credit Default Swap) soberanos de 5 anos, que medem [como proxy] o risco de calote de um país.
Essa abordagem permitiu explorar como fatores econômicos e financeiros influenciam diretamente a adoção de criptomoedas, especialmente em cenários de instabilidade econômica e política.
Para identificar os fatores mais relevantes, os pesquisadores aplicaram o método estatístico LASSO, que seleciona os preditores mais importantes em um grande conjunto de dados.
Essa pesquisa revelou que o risco soberano, medido pelos spreads de CDS, é um dos principais impulsionadores da adoção de criptomoedas, com um impacto mais acentuado em mercados emergentes.
Além disso, a análise foi segmentada entre economias avançadas (Advanced Economy – AE) e mercados emergentes (Emergent Market – EM), permitindo identificar diferenças significativas nos padrões de adoção.
Também foi introduzida uma medida de "custo ex ante de default soberano", que combinou dívida pública e crédito bancário ao setor privado, destacando como o nível de exposição ao risco soberano pode influenciar a busca por criptomoedas como alternativa financeira.
Evidências Empíricas
Entre os principais achados, destaca-se a forte relação entre o aumento do risco de calote soberano, medido pelos spreads de CDS (Credit Default Swaps), e o crescimento no uso de aplicativos de criptomoedas.
Um aumento de 10% nos spreads de CDS está associado a um crescimento de 2,9% a 4% nos downloads de aplicativos e no número de usuários ativos mensais, com efeitos mais intensos em economias emergentes.
A análise identificou diferenças claras entre economias emergentes (EMs) e avançadas (AEs). Nas EMs, como Argentina e Turquia, um aumento de 10% nos spreads de CDS está associado a um crescimento de 6,6% nos downloads, enquanto em AEs, como Alemanha e Japão, o impacto é menor, de 2,5%.
Isso reflete uma maior busca pelas criptomoedas em contextos de instabilidade econômica (i.e. economias emergentes), onde o sistema financeiro tradicional pode ser menos acessível ou mais vulnerável.
Eventos específicos de risco de crédito, como crises econômicas ou políticas, também demonstraram impacto direto na adoção de criptomoedas.
Nos meses seguintes a esses eventos, os downloads de aplicativos de criptomoedas aumentaram em média de 0,4% a 0,8%, com um aumento no uso ativo de 0,2% a 0,4%. Esse efeito foi quase o dobro em economias emergentes em comparação com economias avançadas.
Outro ponto relevante foi a introdução de uma medida de "custo ex ante de default soberano", que combina a dívida pública e o crédito bancário ao setor privado em relação ao PIB.
Nos países com maior exposição ao custo de um calote soberano, a relação entre risco de crédito e adoção de criptomoedas foi significativamente mais forte.
Além do risco soberano, fatores como remessas, taxas de juros e desenvolvimento bancário também influenciaram a adoção.
Países com altos volumes de remessas e taxas de juros reais, como México e Índia, apresentaram taxas maiores de uso de criptomoedas.
Conclusão
A análise de Ahmed, Karolyi e Rostami (2024) explora como a instabilidade econômica local, associada ao risco soberano, aumenta a adoção de criptomoedas.
Os resultados indicam que, em mercados emergentes, as criptomoedas têm se tornado uma resposta frequente a cenários de instabilidade econômica e incerteza, refletindo a busca por alternativas financeiras frente à má gestão macroeconômica.
Um dos pontos levantados é que a adoção de criptomoedas pode servir como um indicador antecipado de instabilidade econômica. Isso é particularmente relevante em mercados emergentes, onde os sistemas financeiros tradicionais tendem a ser menos robustos.
A popularidade crescente das criptomoedas nesses contextos aponta para seu papel como uma reserva de valor alternativa e como um mecanismo de proteção contra riscos como inflação elevada e desvalorização cambial.
Além disso, a pesquisa sugere que o aumento no uso de criptomoedas em resposta a riscos soberanos dificulta a capacidade de intervenção dos Bancos Centrais e dos governos em suas políticas monetárias, que hoje em dia se baseiam, em grande parte, na Modern Monetary Theory (MMT), a qual tudo se baseia em ampliar e enxugar liquidez da economia de modo recorrente.
O estudo conclui que, em países com alto risco soberano, as criptomoedas têm potencial para promover maior inclusão financeira, preenchendo vazios onde a economia local falha em prover.
Essa análise reforça a ideia de que as criptomoedas não são apenas instrumentos especulativos, mas também respostas práticas a problemas econômicos reais, evidenciando sua importância crescente no cenário econômico e financeiro global.
Referências:
Ahmed, H., Karolyi, G. A., & Rostami, M. (2024). Does Sovereign Default Risk Explain Cryptocurrency Adoption? International Evidence from Mobile Apps. Journal of Financial Economics.