Por Gustavo Bonato
SÃO PAULO (Reuters) - A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou nesta quinta-feira o uso de três variedades de milho transgênico dos Estados Unidos para produção de ração no Brasil, disseram uma associação da indústria e o Ministério de Ciência e Tecnologia, o que poderá destravar uma série de negócios de importação e potencialmente amenizar a escassez do cereal no país.
A liberação integral no Brasil das variedades cultivadas nos EUA era defendida inclusive pelo Ministério da Agricultura, mas membros da comissão acabaram frustrando, na reunião de setembro, a expectativa de uma autorização.
Grandes consumidores, como produtores de aves e suínos, aguardavam a notícia na esperança de que a oferta de milho norte-americano possa arrefecer os elevados preços do cereal no mercado doméstico, onde os estoques foram apertados por fortes exportações no fim de 2015 e início deste ano e por uma frustração de safra em 2016.
Importadores disseram que a aprovação pela CTNBio de todas as variedades cultivadas nos EUA era necessária porque os fornecedores norte-americanos não teriam capacidade de segregar os carregamentos --o Brasil já usa transgênicos em larga escala, mas variedades que não são plantadas no país precisam estar aprovadas pelo órgão de biossegurança.
O Ministério da Ciência e Tecnologia, ao qual a CTNBio é vinculada, informou por meio da assessoria de imprensa, que duas variedades de milho geneticamente modificado da Monsanto e uma da Syngenta.
O presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa indústrias como BRF (SA:BRFS3) e JBS (SA:JBSS3), Francisco Turra, disse à Reuters que negociações de compra de milho dos EUA pelas indústrias de aves e suínos já estavam ocorrendo e dependiam apenas do sinal verde da CTNBio para serem finalizados.
Segundo ele, a expectativa é de que o milho norte-americano possa ajudar a abastecer o mercado local de agora até janeiro, quando grãos da nova safra brasileira começarão a chegar ao mercado.
"Não significa que vamos importar quantidades que comprometam (a demanda da) próxima safra (do Brasil). Vai compatibilizar custos, vamos ter garantia de exercer nossa atividade", disse Turra, sem arriscar uma estimativa exata de volumes que podem entrar dos EUA para o Brasil.
Na avaliação da ABPA, os custos enfrentados pelas indústrias ao longo de 2016 estão em média 31 por cento acima dos registrados em 2015.
"Não conseguimos repassar esse custo para o consumidor interno e externo. Aqui no país, temos recessão. Lá fora há competição com outros fornecedores", disse Turra.
EFEITOS PRÁTICOS
Nas últimas semanas o mercado físico de milho esteve praticamente parado, no aguardo de uma definição sobre a entrada de milho norte-americano no Brasil, segundo consultorias.
"Existe uma queda de braço entre o setor produtivo e o setor de consumo. Os próximos dias vão elucidar o quadro", disse a analista Andrea Cordeiro, da corretora e assessoria Labhoro.
Agentes de mercado questionam se haveria tempo hábil e canais logísticos disponíveis para concretizar carregamentos de milho norte-americano para o Brasil ainda em 2016.
Segundo a analista da Labhoro, para que isso ocorresse, as indústrias teriam que ter compras já negociadas. Empresas que começassem as tratativas para importações neste momento não conseguiriam efetivar desembarques neste temporada.
A Câmara de Comércio Exterior (Camex), do governo brasileiro, decidiu prorrogar no dia 28 de setembro, por mais três meses, a isenção de tarifa para importações de milho de países de fora do Mercosul, favorecendo o produto dos EUA.
Relatório da agência Safras & Mercado apontou que as importações dos Estados Unidos têm preços viáveis no Brasil.
Uma saca de milho dos EUA, já transportada até a indústria no Brasil, custaria atualmente 43,82 reais por saca, ante preço de 45,46 reais para o milho argentino.
"Acho que essa liberação não tem impacto nenhum (no mercado)", disse um operador de milho de trading internacional, em São Paulo. "Acho que é só uma manchete para assustar fazendeiro. O mercado ja está precificando importações da Argentina. Já estamos importando milho. Vamos continuar, milho argentino ou americano."
Um operador de commodities de uma grande indústria consumidora de milho disse prever poucos volumes de negócios com milho dos EUA.
"A psicologia vale mais", disse ele, referindo-se ao possível efeito cascata de reajuste nos valores cobrados pelos fornecedores do Mercosul e pelos produtores brasileiros.