Por Tom Polansek
CHICAGO (Reuters) - Bettie, uma beagle que atua como cão farejador para a agência de Alfândegas e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos, sentiu o aroma de carne suína em uma passageira que desembarcava no aeroporto internacional de O'Hare, em Chicago, vindo da China.
Logo a tutora da cadela descobriu e confiscou um sanduíche de presunto na bolsa da mulher, que acabara de deixar um voo da China Eastern Airlines proveniente de Xangai.
O perigo? A comida poderia estar contaminada pela peste suína africana, levando a temida doença aos EUA. A China já perdeu milhões de porcos devido a surtos da doença, o que fez com que os preços da carne suína disparassem para máximas históricas e forçou um aumento nas importações do produto, mexendo com os mercados globais de carnes.
"É muito provável que a doença possa chegar aqui se não estivermos mais vigilantes", disse Jessica Anderson, treinadora do cão farejador de carne suína e especialista em agricultura da agência de proteção das fronteiras.
Bettie compõe um grande grupo de beagles treinados para atuar nos aeroportos norte-americanos, parte de um esforço para proteger a indústria de carne suína do país, que movimenta 23 bilhões de dólares, de uma doença que dizimou a criação de porcos da China, a maior do mundo.
Na mesma toada, governos de todo o planeta estão lutando para reforçar medidas de proteção conforme a doença se espelha pelas fronteiras da China, de acordo com reportagens da Reuters em nove países. As ações ressaltam a grave ameaça que o vírus representa para a agricultura global.
A peste suína africana já se espalhou pelo Sudeste da Ásia e pelo leste europeu, com casos detectados no Vietnã, Camboja, Laos, Coreia do Sul, Mianmar, Filipinas, Polônia, Bélgica e Bulgária. Estes e outros países têm ampliado o controle sobre viajantes e a checagem de carga, com proibições a importações de carnes.
Os países produtores de carne suína podem perder bilhões de dólares caso a doença atinja suas indústrias, uma vez que os surtos devastam criações e levam ao fechamento dos mercados de exportação. A peste suína africana é inofensiva para seres humanos, mas não há vacina ou cura para porcos infectados.
SIMULAÇÃO
Se a doença chegar aos EUA, que possuem um rebanho de porcas de 77,3 milhões de cabeças e são o maior exportador global de carne suína, o governo enfrentaria muitas dificuldades para proteger a indústria, disseram membros do setor à Reuters durante uma simulação de quatro dias sobre surtos da doença, realizada em setembro.
"Se ela (peste suína) entrar no país, destruirá nossa indústria da forma como a conhecemos", disse o vice-presidente sênior de ciência e tecnologia do Conselho Nacional de Carne Suína, Dave Pyburn.
O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês) simulou um surto em Mississippi, que se espalharia para Estados produtores de porcos, como Carolina do Norte, Iowa e Minnesota. Veterinários, agricultores e autoridades do governo norte-americano se reuniram em centros de comando para testar a capacidade de detecção, controle e limpeza após um eventual surto.
A experiência mostrou que os EUA precisam aumentar sua capacidade de testar a presença da doença em porcos de eliminar os animais sem que o vírus seja espalhado, disse Pyburn, que participou da simulação.
Dessa forma, o país está posicionando cães em aeroportos e portos, conduzindo testes de resposta a surtos e aumentando a capacidade para examinar porcos.
Autoridades dos EUA planejam suspender o transporte de suínos entre criações e abatedouros locais se a peste for detectada. Além disso, o USDA e Estados podem emitir ordens para a interrupção do transporte de animais em determinas áreas como uma forma de conter a doença.
O USDA disse em comunicado enviado à Reuters que a simulação de setembro ressaltou deficiências do país nas orientações transmitidas aos Estados sobre quando e como limitar o transporte de porcos. O governo também está aumentando o número de laboratórios utilizados para testes.
"Identificamos algumas lacunas", disse a auditora da produtora de carne suína Christensen Farms, Amanda Luitjens, que participou da simulação. "A ideia de que isso possa chegar aos EUA já é assustadora."
AMEAÇA GLOBAL
Na China, maior consumidora de carne suína do mundo, a doença tem sido devastadora. O número exato porcos mortos não foi revelado.
O Rabobank estima que o país perdeu até 55% de sua criação de suínos apenas no ano passado, embora o governo chinês tenha registrado perdas menores no setor, avaliadas em 1 trilhão de dólares, desde que o primeiro caso foi descoberto, em agosto de 2018.
Outros países, como França e Alemanha, têm sacrificado milhares de javalis selvagens que poderiam transmitir a doença, enquanto a Coreia do Sul ordenou que soldados capturassem javalis na fronteira com a Coreia do Norte.
O Vietnã também utilizou suas tropas para garantir o abate de porcos infectados, entre outras medidas de prevenção adotadas em diferentes países.
(Reportagem de Tom Polansek em Chicago, Enrico Dela Cruz em Manila, Colin Packham e John Mair em Sydney, Nigel Hunt em Londres e Gus Trompiz em Paris)