Por Marcela Ayres e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Em aceno a produtores nordestinos, o governo brasileiro avalia limitar a importação de etanol com uma cota maior sem tarifa, recém-aprovada, apenas ao período de entressafra no Nordeste, afirmaram duas fontes com conhecimento do assunto à Reuters.
No início de setembro, o governo decidiu elevar para 750 milhões de litros ao ano, ante 600 milhões anteriormente, a cota de aquisição anual do produto livre de taxa de 20%, desagradando usineiros de cana, especialmente do Nordeste, região que concentra importações do combustível no país.
O movimento, que buscou evitar um atrito comercial com o governo dos Estados Unidos, que fornece quase todo etanol importado pelo Brasil, não apenas renovou a cota como ampliou seu volume para o equivalente a 187,5 milhões de litros por trimestre.
Contudo, o descontentamento de parte do setor sucroenergético com a ampliação da cota foi tamanho que, na semana passada, o Congresso aprovou regime de urgência para um projeto que pode derrubar a portaria que aumentou os volumes importados sem taxa.[nL2N2611SC]
Agora o governo busca alternativas para acalmar a bancada nordestina, ainda que a ideia de retomar o volume trimestral da cota menor no período da safra do Nordeste, em tese, possa não ter grande impacto no mercado, considerando as importações totais do país.
Pela proposta, a compra dos 150 milhões de litros adicionais sem tarifa seria feita apenas entre abril e setembro, quando não há produção no Nordeste, que tem uma demanda no período da ordem de 2,1 bilhões de litros, suprida por produto de fora da região.
Em 2018, para suprir a sua demanda, o Nordeste comprou 1,3 bilhão de litros de etanol norte-americano e outros 805 milhões de litros de outras regiões brasileiras.
Com o adicional de etanol que será importado pela cota sendo concentrado na entressafra do Nordeste, segundo as fontes, a avaliação é que haveria alívio de possível pressão competitiva para os produtores da região.
Os produtores do Nordeste alegam que o aumento da compra de etanol importado tem efeito deletério para os empreendedores da região, já afetados por uma crise no setor.
A justificativa é que o movimento desequilibra a competição, com o mercado sendo ameaçado pelo etanol norte-americano, produzido sob melhores condições de custo e de crédito.
O governo tem dito que a importação de etanol no país é de cerca de 1,7 bilhão de litros por ano e, independentemente da elevação da cota, permanecerá nesse patamar, com grandes volumes entrando com taxa de 20%, uma vez que o Brasil não consegue suprir toda sua demanda.
DISTRIBUIÇÃO
Numa norma publicada após a portaria que elevou a cota do etanol sem tarifa, o governo buscou também democratizar o acesso à compra do produto importado.
Segundo as fontes, que preferiram falar na condição de anonimato, as regras prévias beneficiavam sobretudo as grandes companhias do setor de distribuição de combustíveis.
Antes, dos 600 milhões de litros comprados de fora do país sem tarifa, 300 milhões eram distribuídos proporcionalmente, segundo o peso dos importadores, o que jogava a favor de gigantes do setor.
O restante obedecia ao critério FIFO ("first in, first out") --quem chega primeiro leva--, com 20 lotes de 3,75 milhões de litros de etanol sendo ofertados por trimestre para um universo de cerca de 54 grupos econômicos, desenho que dificultava o acesso dos pequenos importadores.
Agora, as cotas vão seguir integralmente o FIFO, com 75 lotes de 2,5 milhões de litros por trimestre --distribuição que também pode mudar, proporcionalmente, caso avance a proposta de importação da cota adicional de 150 milhões de litros apenas na entressafra nordestina.
"Os nordestinos se queixavam que não tinham espaço para concorrer na distribuição da cota. Grandes importadores compravam basicamente tudo. E muitas vezes por comprarem em grandes volumes, eles conseguiam fazer preços muito baixos (no mercado)", afirmou uma das fontes a par das conversas.
De qualquer forma, o governo pretende manter a tônica de lotes menores, para que mais grupos consigam comprar o etanol sem tarifa. E levará essa mensagem em reunião nesta segunda-feira numa tentativa de pacificação de ânimos.
De acordo com o presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, deputado Alceu Moreira (MDB-RS), a bancada do Nordeste, com seus interesses específicos, tem direito de fazer uma "manifestação política", mas é possível negociar com o governo uma alternativa razoável.
"Essa negociação é parte de um todo, tem outras coisas envolvidas. A decisão de pôr para votar (o projeto contra o aumento da cota) é do presidente da Casa (Rodrigo Maia, DEM-RJ), mas se for dado tempo antes de votar tenho certeza que é possível chegar a uma boa alternativa", disse.
Parlamentares disseram à Reuters na noite da votação que a intenção não era correr para colocar a derrubada da portaria em votação, mas dar um prazo para o governo apresentar caminhos.
(Edição de Roberto Samora)