RIO DE JANEIRO (Reuters) - O Ministério de Minas e Energia vai apresentar em cerca de um mês as "linhas gerais" de propostas para modernizar a regulamentação do setor elétrico, em uma reforma que deve trazer mudanças "grandes" e "importantes" no atual modelo, disse nesta quarta-feira o secretário de energia da pasta, Ricardo Cyrino.
A concretização das alterações, no entanto, deve ser gradual, com regras de transição e diálogo com as empresas do mercado e consumidores, apontou ele, acrescentando que o processo será mais profundo que uma revisão do marco regulatório em 2004, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Ao falar durante o Enase, evento do setor no Rio de Janeiro, Cyrino comparou o trabalho à montagem de um quebra-cabeças, dada a complexidade das regras e à possibilidade de algumas medidas causarem efeitos não previstos, como em tentativa do governo Dilma Rousseff de reduzir as contas de luz em 2012 que acabou levando as tarifas a dispararem nos anos seguintes.
"Na questão do modelo, nós deveremos fazer mudanças importantes. Agora a gente tem que fazer um movimento maior (que em 2004)... mas de forma responsável, colocando as peças pouco a pouco, para garantir que cada nova peça que se adiciona está montada e que a foto final está ficando perfeita".
Mais tarde, a jornalistas, ele disse que primeiro serão apresentadas as diretrizes do plano, com discussões posteriores sobre alguns pontos que demandarão estudos maiores.
"As linhas gerais daqui a um mês, um primeiro diagnóstico, mas obviamente vai ter muita coisa que vai ter que ser aprofundada", afirmou.
Ele citou como exemplo uma proposta de separar a contratação de capacidade e de lastro de geração de energia da comercialização de eletricidade no mercado, o que será alvo de uma consulta pública a ser aberta em setembro para receber contribuições de agentes do mercado.
Nesse novo modelo, leilões do governo para contratar novos projetos de energia passariam a remunerar os participantes vencedores por meio de três diferentes componentes, ou produtos-- a receita pela produção, ou a energia efetivamente gerada, e receitas por lastro de geração e lastro de capacidade, em que os empreendedores seriam remunerados por disponibilizar suas usinas para o sistema.
A ideia é que esse novo sistema de remuneração viabilize a expansão da capacidade de geração para atender tanto à demanda dos consumidores comuns, atendidos por distribuidoras, quanto dos clientes que atuam no chamado mercado livre de eletricidade. Os custos da contratação de lastro seriam bancados por encargos cobrados junto a todos consumidores, livres e regulados.
"Na nossa visão esse é o tema mais relevante", afirmou Cyrino, acrescentando que a medida é importante para assegurar a financiabilidade de projetos de geração no mercado livre, que hoje têm maior dificuldade de obter empréstimos bancários devido à imprevisibilidade de suas receitas no longo prazo.
INTERESSES
Ao comentar as propostas de reforma, o secretário de energia admitiu que as possíveis mudanças vão gerar efeitos sobre as operações das empresas do mercado, pedindo que os investidores do segmento não tentem travar ou apressar o processo.
"O setor tem que estar aberto à mudança, aberto à transformação. Quando a gente muda, a gente tira o ponto de equilíbrio atual —alguns estão ganhando, outros perdendo, mas a gente tem que buscar um novo equilíbrio, onde a gente tenha correta alocação de custos e de riscos”, disse Cyrino.
O presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, fez coro, pedindo que as empresas participem das discussões de forma colaborativa.
"É um esforço coletivo, e isso é muito mais complexo que já foi no passado, pela diversidade de agentes e interesses (envolvidos). É necessário que todos agentes também modernizem suas perspectivas para que possam enxergar oportunidades nas mudanças, caso contrário teremos uma dificuldade muito grande de construir os consensos necessários".
Os agentes do setor de energia se organizam em diversas associações, cada uma representando interesses de determinado tipo de investidor-- há entidades que reúnem distribuidoras, geradores, consumidores, transmissoras, empresas de energia renovável, entre outras.
Mais cedo, o presidente do Fórum de Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel, que representa as empresas junto ao governo, fez apelo semelhante aos das autoridades.
"Que cada um ceda um pouco, mas todos ganhamos", afirmou.
Antes do atual governo, a gestão Michel Temer também tentou promover uma reforma no setor de eletricidade, mas projetos de lei nesse sentido não avançaram no Congresso. Esses textos deverão ser aproveitados e aprimorados pelo Ministério de Minas e Energia para a modernização, segundo Cyrino.
(Por Luciano Costa)