Por Tom Polansek
CHICAGO (Reuters) - A gripe aviária atingiu novos cantos do mundo e se tornou endêmica pela primeira vez em algumas aves selvagens que transmitem o vírus a frangos criados em granjas, de acordo com veterinários e especialistas em doenças, que alertam que agora é um problema que dura o ano todo.
A Reuters conversou com mais de 20 especialistas e agricultores em quatro continentes, que disseram que a prevalência do vírus na natureza sinaliza que surtos recordes não diminuirão em breve nas granjas, aumentando as ameaças ao suprimento mundial de alimentos. Eles alertaram que os agricultores devem ver a doença como um risco sério durante todo o ano, em vez de concentrar os esforços de prevenção durante as estações de migração das aves selvagens na primavera.
Os surtos do vírus continuaram nas Américas do Norte e do Sul, Europa, Ásia e África, desde que uma cepa chegou aos Estados Unidos no início de 2022 geneticamente semelhante a casos na Europa e na Ásia.
Nesta quarta-feira, Argentina e Uruguai declararam emergências sanitárias nacionais depois que autoridades confirmaram as primeiras infecções nos países. A Argentina encontrou o vírus em aves selvagens, enquanto cisnes mortos no Uruguai deram positivo.
Os preços dos ovos bateram recordes depois que a doença eliminou dezenas de milhões de galinhas no ano passado, colocando uma fonte básica de proteína barata fora do alcance de alguns dos mais pobres do mundo em um momento em que a economia global está sofrendo com a alta inflação.
As aves silvestres são as principais responsáveis pela disseminação do vírus, segundo especialistas. Aves aquáticas como patos podem transmitir a doença sem morrer e introduzi-la nas aves através de fezes contaminadas, entre outros meios.
Os melhores esforços dos produtores para proteger as criações estão falhando.
Nos Estados Unidos, a Rose Acre Farms, a segunda maior produtora de ovos do país, perdeu cerca de 1,5 milhão de galinhas no local de produção de Guthrie County, Iowa, no ano passado, embora qualquer pessoa que entrasse nos galpões fosse obrigada a tomar banho primeiro para remover qualquer vestígio do vírus, disse o presidente-executivo Marcus Rust.
Uma granja da empresa em Weld County, Colorado, foi infectada duas vezes em cerca de seis meses, matando mais de 3 milhões de frangos, disse Rust. Ele acha que o vento soprou o vírus de campos próximos onde os gansos defecaram.
"Fomos pegos", disse Rust.
Os Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Japão estão entre os países que sofreram perdas recordes de aves no ano passado, deixando alguns produtores desamparados.
"A gripe aviária está ocorrendo mesmo em uma nova granja com equipamentos modernos e sem janelas, então tudo o que podemos fazer agora é pedir a Deus que evite um surto", disse Shigeo Inaba, que cria frangos de corte na província de Ibaraki, perto de Tóquio.
As granjas do Hemisfério Norte sofriam anteriormente as maiores ameaças quando as aves selvagens estavam ativas durante a migração da primavera. Os níveis crescentes do vírus em uma ampla gama de aves aquáticas e outras aves selvagens significam que essas criações agora enfrentam altos riscos o ano todo, disseram especialistas.
"É uma nova guerra", disse Bret Marsh, veterinário do Estado americano de Indiana. "É basicamente uma vigília de 12 meses."
Em um sinal de que a ameaça deve persistir, Marsh está buscando fundos dos legisladores de Indiana para contratar mais um veterinário de aves e um especialista em saúde de aves.
Indiana perdeu mais de 200.000 perus e outras aves no ano passado, enquanto o total de mortes nos EUA chega a 58 milhões de aves, segundo dados do governo dos EUA, superando o recorde anterior de 2015.
O vírus geralmente é mortal para as aves, e animais de granjas inteiras são abatidos quando até mesmo uma ave dá positivo.
As vacinas não são uma solução simples: elas podem reduzir, mas não eliminar a ameaça do vírus. Ainda assim, o México e a UE estão entre os que estão vacinando ou considerando vacinas.
PROBLEMA GLOBAL
Aves selvagens espalharam a doença mais longe e mais amplamente em todo o mundo do que nunca, provavelmente carregando quantidades recordes do vírus, disse Gregorio Torres, chefe do departamento de ciência da Organização Mundial de Saúde Animal com sede em Paris, um grupo intergovernamental e global autoridade em doenças animais.
O vírus mudou de surtos anteriores para uma forma provavelmente mais transmissível, disse ele à Reuters.
"A doença veio para ficar, pelo menos a curto prazo", disse Torres.
Torres não pôde confirmar que o vírus é endêmico em aves selvagens em todo o mundo, embora outros especialistas tenham dito que é endêmico em certas aves em lugares como os Estados Unidos.
Embora o vírus possa infectar pessoas, geralmente aquelas que têm contato com aves infectadas, a Organização Mundial da Saúde afirma que o risco para os seres humanos é baixo.
A forma do vírus que circula está infectando uma gama mais ampla de aves selvagens do que as versões anteriores, incluindo aquelas que não migram longas distâncias, disse David Suarez, diretor interino do Laboratório de Pesquisa de Aves do Sudeste do governo dos EUA na Geórgia.
Essas infecções de aves "residentes" estão ajudando o vírus a persistir ao longo do ano, quando não ocorria anteriormente, disse ele.
CRUZANDO FRONTEIRAS
Altos níveis de vírus em aves que migram em longas distâncias ajudaram a espalhar o vírus para novas partes da América do Sul, segundo especialistas.
Países como Peru, Equador e Bolívia relataram casos nos últimos meses.
O Equador impôs uma emergência de saúde animal de três meses em 29 de novembro, dois dias após a detecção do primeiro caso, disse o Ministério da Agricultura e Pecuária do país. Até agora, mais de 1,1 milhão de aves morreram, disse o ministério.
Casos na Bolívia aproximam a doença do Brasil, maior exportador global de carne de frango, que nunca registrou casos de gripe aviária. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse nesta quarta-feira que o país investigou três suspeitas, mas os resultados deram negativo.
"Todos estão focados em evitar que a gripe chegue ao nosso país", disse Gian Carlos Zacchi, que cria frangos para a processadora Aurora em Chapecó (SC).
Alguns especialistas suspeitam que a mudança climática pode estar contribuindo para a disseminação global, alterando os habitats das aves selvagens e as rotas migratórias.
"A dinâmica das aves selvagens mudou, e isso permitiu que os vírus que vivem nelas também mudassem", disse Carol Cardona, especialista em gripe aviária e professora da Universidade de Minnesota.
Os agricultores estão tentando táticas incomuns para proteger as aves, alguns usando máquinas que fazem barulho para assustar as aves selvagens, disseram especialistas.
Em Rhode Island, Eli Berkowitz, produtor de ovos e executivo-chefe da Little Rhody Foods, borrifou o desinfetante em fezes de ganso em uma passarela de sua fazenda, caso contivesse o vírus.
Berkowitz disse que está se preparando para março e abril, quando a temporada de migração representará um risco ainda maior para as aves.
(Reportagem adicional de Yuka Obayashi em Tóquio, Sybille de La Hamaide em Paris, Ana Mano em São Paulo e Alexandra Valencia em Quito)